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Por Cesar Brod
Data de Publicação: 05 de Agosto de 2008
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Kazinski, como todo visionário e louco era visto justamente como tal: por uns, visionário; por outros, especialmente os invejosos e inimigos, como louco. Concentrava-se nas soluções, não nos problemas. Com seu sucesso, passou a olhar com um desdém cada vez maior os burocratas e acadêmicos, sem nunca negar sua própria formação científica. Entre o final do século XXII e o começo do século XXIII declarou, para total horror da população e repúdio dos neo-ecologistas: "A Terra está morta". Fez isso com a frieza típica de outras declarações anteriores, mas nenhuma delas, por mais que se tornassem verdadeiras e aumentassem seu crédito entre o governo da Terra e da comunidade científica, causaram tanto impacto entre a população leiga. Está certo que todos já estavam resignados a uma eterna reciclagem de tudo e à escassez crescente de uma alimentação "do jeito antigo".
Até seus quase trinta anos viveu com seus pais e avós em uma pequena fazenda no sul do Brasil. "Aqui a natureza não se entrega!", repetia sua avó a cada vez que a holotv trazia a notícia de que mais uma área do planeta havia sido isolada, com a população deixada a uma sorte que já se repetira anteriormente. Anos depois que os últimos animais haviam morrido e as sementes que sua família, com tanto cuidado, conservava e semeava, não mais germinavam, teve a idéia de iniciar uma grande coleta. "Na Terra germinarão cada vez menos sementes. Temos que preservar essas pequenas possibilidades de vida para um solo mais fértil, ainda a ser descoberto."
Juntaram-se ao coro de Kazinski os "arqueólogos racionais" que, talvez ainda mais fatalistas que ele, tratavam de salvar para um futuro do qual não fariam parte as "sementes do mundo". Inicialmente, de uma forma radical, violenta, revolucionária e, em poucos casos, com derramamento de sangue, invadiam museus, arrombavam mausoléus. Os antigos homenageavam seus mortos com flores e foi, com certa facilidade, que encontraram sementes em rosas e crisântemos ressequidos. Kazinski sempre se opôs, publicamente, às ações violentas, mas internamente achava que elas eram mesmo necessárias. O fato é que o governo, seja para acalmar a população ou por não ter mesmo outra opção, acabou por aceitar e institucionalizar a idéia de Kazinski e seus "hippies", criando silos devidamente protegidos e sistematizando a coleta de sementes. Feito isso, Kazinski partiu para sua próxima solução.
"Nossa tecnologia não nos permite explorar, com a velocidade necessária, novos planetas que tenham condições similares às da Terra. A saída é preparar planetas, com viabilidade econômica, para que possam desenvolver tais condições". A platéia, que já conhecia bem os gastos " e a polêmica gerada por eles " nas mirradas colônias da Lua e Marte, ambos inférteis, ouviam Kazinski com desânimo, até que ele iniciou uma simulação holográfica. "Explosões em áreas bem calculadas na superfície de Vênus, no momento em que ele passa pelo ponto de maior aceleração linear, facilitarão a manobrabilidade do planeta para que ele seja colocado em uma órbita bastante similar, diametralmente oposta à da Terra..."
"Você só pode estar louco!", gritou Freitas, da platéia, sem esperar pelo momento das perguntas. "Observe a simulação!", respondeu Kazinski, irritado. "Depois faça as suas devidas, e embasadas, colocações!".
A firme resposta de Kazinski calou Freitas e o burburinho que se iniciava entre os congressistas que passaram a buscar, imediatamente, contradições no modelo proposto. Kazinski ia destroçando um a um os argumentos pensados, impedindo-os de serem vocalizados. Tinha experiência nisso. A simulação mostrava Vênus deslocando-se de sua órbita, ocupando uma posição do lado oposto do Sol, com relação à Terra. "Fizemos todos os cálculos do impacto gravitacional nas outras órbitas, nas marés terrestres, evolução do clima. Não há nada que seja mais preocupante do que qualquer coisa que já está acontecendo. Não nos próximos 10.517 anos, quando aí sim, é melhor que já tenhamos nos mudado desse planeta do qual somos inquilinos há tanto tempo. Vênus terá condição de reter uma atmosfera. Usaremos reatores nucleares na superfície do planeta para criar os gases que precisamos a partir dos elementos já disponíveis lá. Podemos começar a fazer isso mesmo antes que o planeta ocupe sua nova órbita. Todo esse processo durará cerca de 30 anos. Até lá, se algum dos senhores tiver alguma idéia melhor, proponho que não fiquemos esperando até que ela surja."
A platéia silenciou. Kazinski sabia que uma nova idéia só poderia vir dele mesmo, não daquele bando de idiotas que só soube aprimorar ao extremo máximo os sistemas de reciclagem que, mesmo podendo durar centenas de anos, ainda dependiam de matérias-primas que se esgotariam.
O gênio das sementes já tinha seu público cativo. Tudo o que falava virava rapidamente notícia. Um resumo, editado e comentado para leigos, de sua apresentação varreu as holotvs do planeta e, todos os que apoiaram sua idéia anterior, tinham nele o que mais próximo poderia ser chamado de um novo profeta. Kazinski sabia disso e, sabiamente, cultivava esta imagem, sem jamais assumi-la. O governo, buscando manter-se atento às vontades do povo, deu jeito de financiar a idéia de Kazinski, reduzindo, na quase totalidade, os investimentos e a manutenção das colônias em Marte e na Lua, que passaram a servir apenas como bases de lançamento para vôos não tripulados à Vênus.
É desnecessário dizer que seu plano funcionou, numa reprodução perfeita da simulação. Em pouco menos de 30 anos Vênus tinha uma atmosfera aceitável para o cultivo dos primeiros microorganismos (algas e bactérias) e vegetais simples, que se encarregariam de preparar o solo para plantas mais complexas. Passados 35 anos do lançamento da idéia de Kazinski, em sua polêmica apresentação, as primeiras flores de trigo, soja e feijão já apareciam nas holotvs. O cientista, porém, já não prestava mais atenção nisso. A questão, agora, era levar a idéia ainda mais adiante, na exploração do espaço mais profundo. Ele deveria levar em conta que, antes de passados 10.517 anos, toda e qualquer nova idéia de preservação da espécie humana deveria ser sua. Sua vaidade era seu maior vício.
Para mais viagens, conheça o NÃO. A edição 83 está a cargo de Cesar Brod, com textos de Ariela Boaventura, Carlos Gerbase, Eloar Guazelli Filho, Giba Assis Brasil, Joice Käfer, Pedro dos Santos de Borba e Roberto Tietzmann.
Cesar Brod usa Linux desde antes do kernel atingir a versão 1.0. Dissemina o uso (e usa) métodos ágeis antes deles ganharem esse nome. Ainda assim, não está extinto! Escritor, consultor, pai e avô, tem como seu princípio fundamental a liberdade ampla, total e irrestrita, em especial a do conhecimento.
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