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Por Cesar Brod
Data de Publicação: 02 de Junho de 2009
Este artigo é companhia para a palestra "Se eu fosse a Microsoft", que ministrei no INFOBRASIL 2009, em Fortaleza, no dia 28 de maio. O desafio para esta palestra veio do grande amigo Corinto Meffe, gerente de projetos do Departamento de Integração de Sistemas, Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação e mentor intelectual do Portal Software Público Brasileiro.
Em 2006, o pessoal da Infomedia TV pediu-me que eu propusesse com alguns amigos, que trabalhavam com softwares livres e abertos, um conjunto de temas que seriam debatidos com a Microsoft. Também pediram que o Roberto Prado, gerente de estratégias da Microsoft, fizesse a mesma coisa de seu lado. No Fórum Internacional de Software Livre, em abril do mesmo ano, debatemos sobre aspectos de desenvolvimento, integração e interoperabilidade e até sobre licenças e patentes de software. O evento teve uma grande repercussão, com o presidente da Free Software Foundation, Richard Stallman, fazendo uma manifestação contra a Microsoft em frente ao estúdio onde os debates aconteciam.
Richard Stallman no FISL 2006, ao fundo Denis Page, Cesar Brod e Roberto Prado |
Motivado pelo debate, acabei escrevendo um artigo para o BR-Linux. Algum tempo depois do debate e da publicação do artigo, o Roberto Prado propôs-me o desafio de gerenciar os projetos dos centros de inovação de interoperabilidade e open source junto à Universidade Federal do Rio Grande do Sul e, posteriormente, à Universidade Estadual de Campinas e outras. Não exatamente com estas palavras, mas o que ele disse-me foi que, já que eu falava tanta coisa do "lado de fora" da Microsoft, que tal fazer isto também lá dentro. Acho que seria uma hipocrisia eu não aceitar este desafio e a BrodTec ficou, por quase três anos, prestando estes serviços de gestão para a Microsoft. Ao receber o convite para retomar o assunto do artigo no INFOBRASIL 2009 senti-me motivado a atualizá-lo, trazendo-o para o cenário atual.
No texto de 2006 eu dizia, em resumo, que a Microsoft poderia liberar todo o seu código sob uma licença de software livre. Windows, Office, tudo. Isto não afetaria os resultados da Microsoft já que os clientes que adquirem seus produtos o fazem para ter também uma garantia de suporte e serviços e os que não querem este tipo de garantia ou segurança usam cópias "alternativas", com perna de pau, olho de vidro e cara de mau.
Eu também abriria mão das patentes de software. Isto, além de economizar dinheiro e estresse com ações legais, especialmente as que acontecem na comunidade europeia, ainda iria iniciar um movimento de outras empresas em direção a abolição das patentes. E olha que a IBM tem mais registros de patentes do que a Microsoft. Não acredito que abrir mão de patentes tenha uma relação direta com o incentivo ao desenvolvimento tecnológico e o que acontece na comunidade de software livre ilustra bem isto.
A questão é, mesmo pensando em tudo isto, qual seria a real vantagem para a Microsoft em licenciar seus produtos como software livre e abolir as patentes? Já que isto não afetaria os resultados da empresa, por que não deixar como está? Qual seria o gasto em explicar para os clientes existentes e, mais ainda, para os acionistas, que anteriormente foram educados na importância das licenças proprietárias e patentes? O quanto os clientes estão a par do que dizemos quando falamos de software livre e proprietário e o que eles querem, afinal?
Ainda assim, acho que, justamente pelo custo de todo o aparato legal construído em cima de licenças e patentes, em pouco tempo (pouco tempo no mundo da tecnologia) tais patentes e licenças farão muito pouco sentido e o que irá prevalecer são os contratos mantidos diretamente entre clientes e fornecedores.
Uma das coisas que falei, lá em 2006, é que se eu fosse a Microsoft eu investiria muito mais em Webservices para abrir as portas de suas aplicações à interoperabilidade entre plataformas. Isto acabou acontecendo e webservices é a base de serviços como o SkyDrive, o Live Sync, o Live Mesh, o Office Live Workspace e o Virtual Earth 3D. O SkyDrive funciona bem no Firefox, com o Linux, são 25 Gb de espaço em um disco virtual, com pastas que podem ser públicas ou compartilhadas. Mas o Sync, que serve para sincronizar arquivos entre máquinas diversas, só roda em Windows e Mac. O Live Mesh também faz o sincronismo e permite a publicação de pastas na "nuvem" ou no PC, mas não tem suporte a Linux e o suporte ao Mac ainda é limitado. O Office Live também é só para Windows e Mac. O Virtual Earth 3D funciona em parceria com o maps.live.com e também é só para Windows. Ainda assim, quando da construção de aplicações usando a API do Live, a Microsoft perdeu muito terreno para o Google e não será fácil recuperá-lo.
Quanto ao ActiveX, na época do artigo eu o considerava um abuso de prisão do usuário. O usuário ficava preso ao sistema operacional e ao Internet Explorer. Hoje, o framework .Net, cada vez mais robusto, e aplicações de Rich Media mais abertas, como o Silverlight, parece que vão deixar o ActiveX no passado mesmo.
Como último ponto do artigo original, eu mencionava que a Microsoft deveria investir cada vez mais no "aluguel de facilidades", permitindo que as pessoas usassem os produtos com os quais estavam acostumadas através da Web, pagando por demanda, expandindo a idéia do Office Live. Acho que tá demorando muito tempo para que esta oferta seja consolidada e o Google Docs já ocupou um considerável espaço desta oportunidade.
Como o artigo original já completou três anos, fiquei curioso também para ler o que outras pessoas fariam se elas fossem a Microsoft. Procurei no Google por estes termos, com os seguintes resultados:
Ou seja, mais de 7000 pessoas, ao invés de ficar pensando o que fariam se fossem o Dunga, ficam pensando no que fariam se fossem a Microsoft. Vamos dar uma olhada em algumas das coisas que as pessoas fariam no lugar da gigante empresa de TI.
Uma das primeiras coisas que se nota é que as pessoas aconselham a Microsoft a ir às compras. Faz sentido. A Microsoft não é mais uma empresa "cool", legal. Tem gente muito boa tentando fazer a Microsoft parecer mais "cool". A Microsoft era "cool" lá nos anos 80, quando a IBM deixou de ser. Mas hoje a Microsoft é o que era a IBM dos anos 80, quando um monte de aplicações desktop começaram a aparecer e a desbancar muitas das coisas que dependiam de grandes mainframes. Hoje o Google é cool, mas é bom que se cuide. A Microsoft, pra parecer mais cool, perder um pouco da cara de tiazona, precisa de uma recauchutagem, de novas roupas. Agora, vender roupas? Se eu fosse a Microsoft, eu não faria isto...
Softwear, by Microsoft |
Sobre o Twitter eu não vou falar muito. O Twitter é cool, tá na moda. Ninguém sabe pra que serve direito ainda mas já tem um monte de gente usando. Na edição de novembro de 2008 da Wired, Paul Boutin sentencia: Mate o Seu Blog. Segundo ele "o limite de caracteres do Twitter coloca todos em um mesmo patamar. Ele faz com que amadores parem de agonizar sob seus textos e os força diretamente ao ponto," ao que realmente querem dizer. Não sei. Estou usando-o irregularmente ainda. No evento da Locaweb de Profissionais de Internet o Twitter estava em alta cota. A Martha Gabriel twita bem legal, cada twitada dela é uma aula! De qualquer forma, só por ser cool, eu entraria na onda do palpite para que a Microsoft comprasse o Twitter, até porque o Twitter do Google, o Jaiku (a partir de março de 2009, open source), não pegou e o Google também costuma ir às compras. Aliás, o Google também twita no Twitter.
Quem já experimentou a interface 3D do Vista já viu que ela não chega nem perto da do Beryl e o Compiz. Mas tem o BumpTop que é uma boa aquisição para a Microsoft. Ele faz com que realmente a metáfora da mesa de trabalho se realize na tela do computador.
A Microsoft perdeu totalmente o terreno na busca da Web. Não conseguiu comprar o Yahoo e ainda está em um medíocre 3.o lugar entre os buscadores com o Live (estão tentando repaginá-lo como Bing). O Wolgram Alpha, um buscador que adiciona uma inteligência semântica em seus resultados pode ser também uma boa opção para o carrinho de compras da Microsoft.
Algumas sugestões de coisas que as pessoas fariam se fossem a Microsoft chegam a ser hilárias. Uma delas é punir a Europa pelos processos sofridos pela empresa e tirar o Windows e o Office de circulação no continente, forçando os pobres europeus a se virarem com o Linux e o OpenOffice. Eu não faria isso se eu fosse a Microsoft... O que eu faria era abrir as patentes e o código, como eu disse antes. Na boa, acho que saía mais barato. Alguns advogados iriam perder seus empregos, mas quem se importa com isso? Ainda precisamos de muito material humano para testes de novos remédios, vacinas, coisas assim...
Uma idéia é fazer a Microsoft investir mais forte do lado do entretenimento, financiando integralmente a produção de Halo, o Filme. Halo é um jogo futurista, combinando armas, estratégias, etc. É um tiro meio certo se for bem feito, mas eu acho que é um desvio de foco desnecessário. Eu não faria isso.
Joe Wilcox, do Microsoft Watch, costuma, desde 2007, dar seus conselhos para a Microsoft. Dentre os de 2008 que, na minha opinião, ainda valem, estão diminuir a equipe que toma decisões sobre um determinado produto, extinguindo grandes comitês, e que participem de suas próprias redes sociais, ouçam sugestões, mas que as "congelem" durante o desenvolvimento de seus produtos. Importante também é um retorno à simplicidade, não criando interfaces para agradar a todos que acabam não agradando a ninguém. Joe ainda critica o fato de que a Microsoft não foi capaz de defender o Vista e criar a "vontade" dos consumidores em utilizá-lo e dos revendedores em não incentivar o downgrade para o XP. A imagem do Vista está ruim e é melhor defendê-la antes que ela se propague, justa ou injustamente, para uma nova versão.
Para 2009, Wilcox, recomenda que a Microsoft invista sua reserva financeira em um upgrade na sua imagem. Ele chega até a recomendar que a Microsoft torne-se uma grande empresa de hosting, com o que não concordo. Mas que uma estratégia melhor de marketing é necessária, envolvendo os parceiros e, preferencialmente, trocando de agência, é uma ótima. Os anúncios com o Seinfeld e as respostas ao Mac com a série "I'm a PC" foram completamente inócuas. Certos nomes de produtos também são horríveis, como "Windows Vista Home Basic". Mas o fundamental, com o que concordo plenamente com Wilcox, é que a empresa deve mostrar sua capacidade de inovar. E aqui complemento, inovar de forma aberta e transparente, aprendendo com o Google, a Nokia e abrindo muito mais seu processo de desenvolvimento de novos produtos. Um "labs" seria bem legal.
Falando em redes sociais, se ainda sobrar um dinheirinho, se eu fosse a Microsoft eu faria uma oferta ao Marc Andressen (o criador do Mosaic) e à gatíssima Gina Bianchini para adquirir o Ning, uma espécie de "crie seu próprio Orkut" que na BrodTec utilizamos em uma rede social sobre Scrum e outros métodos e processos ágeis.
Marc Andressen e Gina Bianchini, do Ning |
A última coisa que eu faria se fosse a Microsoft era parar de me queimar sem necessidade. O Steve Ballmer já falou um monte de coisas que, depois, levaram todo o mundo a tirar um sarro da Microsoft. O Ray Ozzie, sobre o qual escrevi em meu primeiro artigo para o Dicas-L lá em 1.o de julho de 2006, é um técnico excelente, respeitado entre os seus pares. A empresa tem que resolver a questão de imagem do Vista para evitar mais downgrades e para não difamar, antecipadamente e por "contato" o Windows 7. Abram seus códigos de forma clara e transparente, cada vez mais, IronPython, Wix, Silverlight/Moonlight são coisas legais! Os projetos com os quais nos envolvemos, no Codeplex, também. Façam mais disto. Gastem mais com inovação e menos com advogados! Usem licenças abertas para tudo. Abram mão das patentes de software.
O quadro abaixo mostra o valor individual das ações de quatro empresas de tecnologia com tratamentos diversos relativos a licenças e patentes: RedHat, IBM, Microsoft e Google. Isolados, estes números não nos dizem muita coisa, mas vamos dar uma olhada em outros números destas mesmas empresas.
Valores de ações - fonte: Wolfram Alpha |
Note, no gráfico a seguir, o comportamento, a oscilação percentual das ações. Independente do valor das mesmas, os altos e baixos parecem ser comuns para as empresas de tecnologia.
Comportamento de ações - fonte: Wolfram Alpha |
Agora vamos ver o branding, a força da marca. Um dos pontos importantes para a avaliação da marca de uma empresa de tecnologia, hoje, é sua presença na Internet, as visitas a seus sites, a forma como as pessoas buscam, neles, por informações. Primeiro vamos ver empresas comerciais com distribuições Linux: Mandriva, RedHat e Novell.
Branding na web - fonte: Alexa |
Note o que acontece quando acrescentamos a Microsoft. As empresas anteriores praticamente desaparecem.
Branding na web - fonte: Alexa |
Vejamos agora o que acontece quando adicionamos o Google ao mesmo gráfico.
Branding na web - fonte: Alexa |
Vamos aumentar o escopo do gráfico para que ele comece em outubro de 2008, a máxima extensão permitida pelo Alexa.
Branding na web - fonte: Alexa |
Troquemos agora RedHat e Novell por Sun e IBM. Note que nada muda no gráfico.
Branding na web - fonte: Alexa |
Ou seja, vocês realmente acreditam que licenças e patentes tem alguma coisa que esteja diretamente relacionada com estes comportamentos que vimos? Talvez em um prazo curtíssimo. Os negócios da Sun foram impactados com a liberação cada vez maior de seu carro-chefe, o Java, ou do OpenOffice e agora o MySQL? De fato, não vejo como uma patente possa impactar tão profundamente a indústria de software. Mesmo na de hardware, patentes são superadas, novas coisas são inventadas. Tá certo, uns poucos ganham dinheiro com patentes, mas o mercado de hoje, de forma geral, é pouco afetado por isso. Claro, este é um artigo de opinião e outros terão visões diferentes e divergentes sobre o mesmo assunto, que dá bastante pano para manga.
Cesar Brod usa Linux desde antes do kernel atingir a versão 1.0. Dissemina o uso (e usa) métodos ágeis antes deles ganharem esse nome. Ainda assim, não está extinto! Escritor, consultor, pai e avô, tem como seu princípio fundamental a liberdade ampla, total e irrestrita, em especial a do conhecimento.
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