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Por Cesar Brod
Data de Publicação: 08 de Fevereiro de 2010
Estou no Forno Alegre, de malas quase prontas para as Ilhas Canárias, onde participarei do International Workshop on E-Health in Emerging Economies. O organizador do evento é o amigo Luis Falcon, líder do projeto Medical, que tive a oportunidade de conhecer na Latinoware 2009. Aliás, organizem-se para a Latinoware 2010 na primeira semana de novembro!
Eu e o Corinto Meffe fomos convidados a falar sobre a evolução do software livre no Brasil. Este é um tema que, de uma forma ou outra, tenho abordado em palestras e entrevistas. O legal é que, como o Corinto irá falar sobre uma ótica mais histórica, contando todo o processo de maturação do software livre e chegando até as iniciativas do Portal Software Público, eu pude dar-me o luxo de fazer uma abordagem introdutória e quase pessoal, contando um pouco de tudo o que me levou a trabalhar com software livre há mais de quinze anos. Foi bem divertido remexer meu baú de fotos, textos e lembranças e fazer o roteiro da minha apresentação. Por isso, decidi dividir com meus leitores um pouco desta história.
Nerd Alert!!! O texto abaixo contém palavras como Unix, SVr4, 64 Kbps, sendmail, telnet e outras!
Em 1993, em São Paulo, em uma época em que ainda não chovia tanto, eu trabalhava na Tandem Computers (hoje uma divisão da HP). A empresa comercializava computadores para o processamento paralelo massivo de transações, especialmente para o mercado financeiro e de telecomunicações. Uma linha de máquinas que produzíamos rodava o NonStop Unix, uma versão do Unix SVr4 da AT&T com esteróides. Nosso primeiro cliente no Brasil com o Unix foi a Telemig e minha filha mais nova, a Ana Luiza, acabara de nascer. Como eu não estava muito a fim de ficar viajando para Minas Gerais a cada vez que tivesse que testar algo ou instalar um novo software, pedi a meu chefe que adquirisse uma licença do SCO Unix para que eu o instalasse em meu laptop. Desta forma, eu poderia fazer todos os meus testes localmente e só viajar quando fosse realmente necessário. O problema é que tal licença custava mais caro que todas as viagens que eu tivesse que fazer em dois anos...
Como havíamos estabelecido um link de 64 Kbps (voz e dados!) para a matriz da empresa, na Califórnia, eu conseguia acessar um sevidor público da Universidade de Berkeley via telnet e, então, através das listas de discussão da USENET, descobri o Linux ainda antes da versão 1.0!
Em 1997 a Tandem foi comprada pela Compaq e um dos executivos da empresa tinha a idéia de que poderíamos vender máquinas tolerantes a falhas, de processamento paralelo massivo, nas prateleiras do Ponto Frio. Não durei muito tempo na empresa e mudei-me para o Vale do Taquari, onde montamos um provedor de acesso à Internet em parceria com a Universidade da região, a Univates. Eu e o Fábio Wiebbelling aloprávamos com o FreeBSD, o Linux e o sendmail.cf que já recitávamos de cor e salteado. Mas foi em 1999 que eu e o Fábio viajamos para a LinuxWorld com a ideia de que poderíamos propor para a Univates uma migração ampla, geral e irrestrita para o software livre.
Em 2000 já usávamos uma versão "interna" do SourceForge que em seguida abrimos para o uso da comunidade na forma do portal Código Livre, hoje hospedando mais de 2000 projetos mantidos por mais de 15.000 colaboradores. Na mesma época incentivamos a criação de grupos de usuários, como as Gnurias e o Taquarix. A intenção era a de que os jovens participantes dos grupos expandissem a adoção e a cultura da liberdade tecnológica. Funcionou melhor do que a encomenda. Foi neste tempo também que participamos da criação do Projeto Software Livre Rio Grande do Sul, que expandiu-se para todo o território nacional. Foi em 2000 também que participamos do primeiro Fórum Internacional de Software Livre. Ajudei na organização, especialmente do temário internacional, das primeiras edições do FISL. Isto acabou fazendo com que minha empresa acabasse por envolver-se na organização de uma série de outros eventos nacionais e internacionais.
Já no início de 2002, junto com a reitoria da Univates, começávamos a pensar que tudo aquilo que havíamos desenvolvido internamente, nossos sistemas de gestão acadêmica, financeira, da biblioteca, que já estavam disponíveis na forma de software livre, bem que poderiam gerar um modelo de negócios com o qual os alunos da instituição e muitas outras pessoas pudessem ganhar dinheiro. Foi daí que surgiu o projeto que deu origem à primeira cooperativa de desenvolvimento e integração de soluções em software livre do mundo: a Solis.
No FISL de 2006 a InfomediaTV decidiu colocar um estúdio dentro do evento e proporcionar o debate entre a comunidade de software livre e a Microsoft. Fui convidado a organizar a agenda do software livre e o Roberto Prado, da Microsoft, a cuidar da turma dele. Os debates aconteceram em vários níveis: da integração de diretórios de usuários a ambientes de desenvolvimento e interoperabilidade entre as plataformas. Eu e o Prado debatemos sobre licenças e propriedade intelectual, com direito à manifestação do Richard Stallmann em frente às câmeras.
Passados alguns meses, o Roberto Prado entrou em contato comigo e propôs que tudo aquilo que eu falava fora da Microsoft, que eu falasse dentro da empresa, desafiando-me a gerenciar projetos de desenvolvimento em código aberto que a Microsoft patrocinava em Universidades brasileiras. Durante quase três anos a BrodTec prestou serviços para a Microsoft gerenciando projetos que seguem firmes e fortes. Como era de se esperar, isto gerou alguma polêmica, especialmente entre aqueles que gostam de ficar só na superfície das coisas e nunca deram-se ao trabalho de efetivamente publicar, de forma transparente, seus trabalhos -- e códigos! -- para todos os demais.
Deste trabalho com a Microsoft surgiu também a oportunidade de criarmos o conteúdo sobre o uso de software livre para o portal Navegue Protegido, da Fundação Ricky Martin, um trabalho que foi feito quase integralmente pela minha sócia, a Joice Käfer. Ao olhar o portal agora, porém, vi que o conteúdo não está mais lá. Que coisa feia para um ex-menudo!
Também é da Joice nosso mais recente lançamento em software livre, o projeto MapZoom, uma combinação de PHP, JavaScript e PostgreSQL para a criação de aplicações que usam mapas do Google como sua principal interface. Queremos transformar este projeto em um gestor de conteúdo web geociente e estamos procurando patrocinadores para isto. Alguém aí se habilita?
Pra terminar, a mais nova iniciativa da nossa empresa é uma parceria com a Interact. A Interact é a desenvolvedora do Strategic Adviser, um conjunto de soluções para que os executivos tenham um verdadeiro Raio X do desempenho de suas empresas, podendo atuar diretamente em seus indicadores e fatores de risco mais críticos. Há uma série de padrões e programas de qualidade que já sugerem indicadores a serem monitorados pelas empresas. O que eu não sabia, e que estou aproveitando para falar um pouco e aprender mais sobre isto no IWEEE é que hospitais e serviços de saúde no Brasil e no mundo estão muito avançados na padronização de critérios de excelência que envolvem a assistência aos pacientes, sua infraestrutura e gestão. Eu só não falo mais porque tem gente que vai dizer que já é propaganda. Claro que os produtos da Interact têm em sua base softwares abertos, como o Apache, o Java e o MySQL, ainda que seus produtos sejam para mercados bastante verticais que estão acostumados a negociar licenças. Caminho do meio.
Prometo twitar (@cesarbrod) e comentar mais sobre o IWEEE durante a semana que vem. Estou muito curioso para conhecer as Ilhas Canárias!
Cesar Brod usa Linux desde antes do kernel atingir a versão 1.0. Dissemina o uso (e usa) métodos ágeis antes deles ganharem esse nome. Ainda assim, não está extinto! Escritor, consultor, pai e avô, tem como seu princípio fundamental a liberdade ampla, total e irrestrita, em especial a do conhecimento.
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