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Por Cesar Brod
Data de Publicação: 24 de Agosto de 2011
Em 1988 eu estudava Física na UFRGS em Porto Alegre (vindo da USP, em São Paulo). Este foi o primeiro de uma série de cursos superiores que ainda não terminei. Naquela época, por diletantismo, eu lia sobre inteligência artificial e sistemas especialistas. Eu possuía um computador MSX que tinha, dentre suas várias peculiaridades, a capacidade de endereçar 64 Kbytes de memória, 32 Kbytes por vez. Um dos programas-exemplo de um dos livros que eu estava lendo simulava um "psicólogo" conversando com o usuário e tentando, através do reconhecimento de uma lista de palavras-chave, mudar de assunto e fazer perguntas "surpreendentes". O livro era em espanhol e o programa estava escrito em Basic. Decidi tornar o programa mais interessante transformando o "psicólogo" no Analista de Bagé, simulando uma conexão com o consultório do mesmo e trabalhando a lista de palavras-chave de forma a que, quando usadas, trocassem o "cenário" da consulta, invariavelmente levando o paciente a falar da relação que tinha com sua mãe. O diagnóstico da "loucura" ou "faceirice" do "bagual" era sempre "um causo de Édipo".
Na época, eu prestava serviços para o Banco do Brasil, em Porto Alegre, que havia recentemente adquirido microcomputadores cujo formato de gravação em disquete era o mesmo que o meu MSX. Assim, reescrevi o programa para que o mesmo código pudesse ser executado em MSX-Basic (minha máquina) e Mbasic (as máquinas do Banco do Brasil). Isto garantiu-me uma quantidade de usuários que, nas horas vagas (ao menos acho que eram horas vagas), podiam brincar com o meu programa e contribuir com sugestões. O programa passou a armazenar a conversa dos usuários e apontar palavras mais usadas, que passaram a ser palavras-chave em novas versões. Nas últimas versões o programa era capaz de armazenar declarações do "paciente" que continham algumas palavras-chave, lembrar delas e fazer perguntas com base nas mesmas. Por exemplo: se o paciente digitasse "Não convivo bem com minha família", a palavra "família" era uma das palavras-chave e o verbo "conviver" estava na lista de conjugações. Assim, mais adiante o "analista" poderia perguntar algo do tipo "Antes disseste que não convives bem com tua família, explica melhor...". Esta utilização de elementos que eram inseridos pelo próprio "paciente", junto a cenários que poderiam vir à tona aleatoriamente ou através do reconhecimento de palavras-chave, tornou o sistema bastante interessante, um brinquedo agradável.
Como me apropriei indevidamente do "Analista de Bagé", eu distribuía o programa em disquete, com instruções, código-fonte e recomendações para que o usuário comprasse a obra do escritor Luís Fernando Veríssimo, na esperança de nunca ser processado pelo mesmo.
O tempo passou, perdi contato com as pessoas que trabalhavam comigo na época e, infelizmente, a última cópia que eu tinha do programa foi doada por descuido junto com o meu MSX em um disquete que foi formatado e aproveitado para alguma outra coisa. Há alguns anos, tentei fazer uma "busca do software livre perdido". Fiquei sabendo que alguém colocou o meu programa para rodar em uma implementação de BASIC para o ambiente /370 da IBM, por volta de 1992, e que o mesmo podia ser acessado através de terminais 3270. Nunca pude verificar a veracidade disto. Nunca mais tive acesso ao programa, que um dia espero reescrever, provavelmente em Python.
Uma implementação do programa Eliza, no qual meu Analista foi baseado, está disponível na internet. Lembrei desta história toda em função de uma conversa com o professor Paulo Sérgio Krüger, CEO do Decisão Medicina, onde minha filha mais nova prepara-se para o vestibular de Engenharia de Energia.
Paulo Sérgio é um estudioso das maneiras através das quais as pessoas aprendem e de que forma esta aprendizagem deve ser facilitada e incentivada. Descobrimos, em nossa breve conversa, que ele está na busca do "material dourado digital" que mencionei em meu artigo Sigam as crianças. Como professor de cursinho pré-vestibular, Paulo observa também o comportamento de seus alunos nas redes sociais e busca entender como esta interatividade e a informação gerada através dela pode servir como combustível para uma aprendizagem focada a um bom desempenho no vestibular. Mas é claro que isto não para por aqui.
O material gerado a partir das interações nas redes sociais pode nos permitir avançar além da inteligência artificial para a descoberta de uma curiosidade artificial, ou talvez melhor, uma curiosidade assistida por computador. Não falo aqui de formas clássicas de descoberta de conhecimento não evidente a partir da mineração de dados, como no velho exemplo "cerveja e fraldas", mas de uma associação mais profunda entre o volume de interações e dados na rede que permitam: (1) que um humano tenha elementos para avançar infinita e rapidamente na construção do conhecimento a partir da alimentação assistida de sua própria curiosidade e (2) que um sistema de curiosidade artificial seja capaz de gerar, sem a interação humana, linhas inéditas de pesquisa nas quais o avanço também se dê sem essa interação. Será necessário criar um equivalente ao teste de Turing para definir o que pode ser considerado "curiosidade artificial", de forma que seja impossível distinguir entre a artificial e a humana.
Não estamos longe da realização destas coisas. Barry Eaglestone e Nigel Ford, da universidade de Sheffield, Inglaterra, publicaram, em 2002, um estudo muito interessante sobre a Criatividade Assistida por Computador, no qual abordam temas como a percepção versus a lógica, tensões entre as normas da engenharia e a criatividade, efeitos da falta de sintonia entre interfaces e estilos cognitivos e as dificuldades que existem na modelagem da criatividade usando soluções tecnológicas convencionais. Mas os autores também especulam que os computadores podem ser adequados para a criação de ambientes mais férteis para a criatividade, deixando um amplo espaço para discussão.
Imagino se ainda verei trabalhos de mestrado e doutorado assinados por Fulano de Tal e R2D2. Mas eu ainda prefiro, antes disto, poder contar com teletransporte e holodecks.
Cesar Brod usa Linux desde antes do kernel atingir a versão 1.0. Dissemina o uso (e usa) métodos ágeis antes deles ganharem esse nome. Ainda assim, não está extinto! Escritor, consultor, pai e avô, tem como seu princípio fundamental a liberdade ampla, total e irrestrita, em especial a do conhecimento.
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