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Cidades Inteligentes e Cidadãos Participantes #2

Por Cesar Brod

Data de Publicação: 08 de Novembro de 2012

Introdução

Fico meio cismado quando começam a colocar adjetivos modernosos em palavras antigas. Eu fico sempre com a impressão de que estávamos fazendo tudo errado e que, agora, alguém vai querer nos vender algo que vai deixar tudo muito melhor: país do futuro, branco mais branco, pessoas conectadas, cidades inteligentes.

Salvo raras exceções, a cada vez que ouço alguém falar de "cidade inteligente" eu sinto-me um tanto, ao menos historicamente, ofendido. Ficar dando receitas para cidades inteligentes é meio que dizer que as cidades atuais são burras.

As cidades surgem quando nossos ancestrais começam a deixar de vagar de um lugar a outro atrás de caça e descobrem que é melhor plantar uma horta, um pomar e criar uns bichos em um lugar só, sem ter que ficar viajando muito. Uma decisão inteligente. Com o tempo surge a necessidade de estocar a produção para o inverno, dar um jeito de conservar os alimentos, comercializar os excedentes e dar uma ordem na coisa toda. Os cidadãos resolvem colocar alguém para administrar essas coisas que são necessidades coletivas, mas quem? Inventam a eleição e o voto. Talvez faça sentido, agora, pensar que os cidadãos devam ser mais inteligentes...

Sempre que eu inicio um projeto de consultoria em alguma empresa ou outro tipo de instituição há uma expectativa de que todos os problemas sejam resolvidos com a tecnologia, com a informatização. Deixei de participar de muitos projetos justamente por frustrar esta expectativa e dizer, talvez de maneira um tanto contundente, que se a vaca está indo para o brejo no caminho que segue, a tecnologia irá, apenas, acelerar a viagem da vaca. Antes de pensar em qualquer tipo de tecnologia para solucionar um problema é preciso entender o tal problema. Há que se conversar com a vaca, entender o seu caminho e as razões pelas quais ela o segue. Há que se convencer a vaca de que o brejo não é o melhor caminho.

Eu não sei se é impressão minha, mas estão falando sobre cidades inteligentes sem que seja feita uma análise mais aprofundada da razão pelas quais as cidades são ou estão burras. Se é que estão mesmo. Mas parece ser senso comum que, para que uma cidade seja inteligente, ela deve estar conectada à internet. E, uma vez conectada, todos os seus cidadãos podem acessar o Facebook!

Logo os cidadãos percebem que seus limites ultrapassam as cercas de sua cidade. Descobrem as maravilhas do mundo conectado. Começam a falar com os cidadãos das cidades vizinhas, passam a saber de cidades paradisíacas distantes, fazem planos de mudar-se para estas cidades onde há novas oportunidades, mudam-se! Estas cidades, metrópoles, têm que acomodar as novas pessoas com novos lugares onde elas possam morar. Prédios altos. Tudo muito lindo.

Mas hipoteticamente imaginemos que, por alguma razão, um outro grupo de cidadãos de outras cidades, que evoluíram de maneira diferente, à margem do que nós acreditamos ser o normal, passem a achar o nosso modo de vida ameaçador a seus princípios, achem que estamos crescendo demais e resolvam, com todo o poder que a tecnologia permite, destruir-nos?

Cerca de 3.000 pessoas morreram, há onze anos, nos ataques às torres gêmeas em Nova Iorque e outros alvos nos Estados Unidos. Nova Iorque era uma cidade burra? É inteligente colocar tantas pessoas empilhadas em um prédio? A tecnologia ajudou a vaca a ir para o brejo com mais velocidade? O mundo parou? Aprendemos algo com isso? Foi a falta de inteligência da cidade de Nova Iorque que permitiu que o furacão Sandy causasse tantos estragos?

Claro que esse é um problema pontual e meramente ilustrativo, mesmo que não deixe de ser importante. Há outros problemas agudos e crônicos em todas as cidades e eles devem ser devidamente entendidos e tratados. E não adianta ficar com saudosismo porque a qualidade de vida nas cidades vem, de forma geral, melhorando continuamente ao longo dos séculos. Ou você preferiria, de verdade, ficar distante da tecnologia que lhe permite assistir, a cada semana, um novo episódio de Dexter?

Mas afinal, o que é uma cidade?

Há divergência nas definições de cidade, município, vila. Países colocam limites diversos no número de habitantes, densidade populacional e outros itens que classificam um agrupamento urbano e sua organização. Mas há o consenso contemporâneo de que uma cidade possui conexões com seus arredores e com outras cidades. Essas conexões (vias terrestres, fluviais, marítimas, aéreas, férreas) servem para o trânsito de matérias primas, bens industrializados e também para a migração de pessoas.

Entre cidades inteligentes deveriam existir conexões inteligentes, mas não é bem isso o que vemos hoje. Grandes cidades sofrem com congestionamentos em suas vias urbanas e rodovias. Fala-se muito no caos dos aeroportos e, no twitter e outras redes sociais a hashtag #querovernacopa aponta estes e muitos outros problemas atuais. Isso não quer dizer que as coisas estão cada vez piores. Minha avó falava muito da maravilha que é fazer o percurso de ônibus entre Arroio do Meio e Porto Alegre em menos de duas horas, quando em sua época de criança este era um percurso de, no mínimo, dois dias.

Não há como rebobinar o mundo e, muito menos, dar um "sudo reboot". No máximo podemos dar um apt-get update, seguido de um apt-get upgrade e alguns apt-get install em coisas interessantes.

Cidades Inteligentes

É interessante observar na ficção científica, e em vários ensaios futuristas, o nosso fascínio pelos meios de transporte. Seja qual for o futuro, estamos sempre nos locomovendo de um lugar a outro: em naves espaciais capazes de velocidade de dobra; trens ultravelozes; carros voadores e até teletransportes. Será que, independente do cenário futuro, teremos mesmo que nos locomover eternamente?

Uma busca pela web e pela literatura sobre o assunto traz muito mais informações do que cabe no tempo desta apresentação. Tomemos por base a definição da Wikipedia, que fala das três dimensões de uma cidade inteligente:

Individual

Uma cidade inteligente começa pela inteligência, inventividade e criatividade de cada um de seus indivíduos. São eles que, afinal de contas, determinarão o sucesso ou não de uma cidade.

Coletiva

No coletividade os indivíduos evoluem em complexidade e harmonia através de mecanismos de inovação como a diferenciação e integração, competição e colaboração. Esta dimensão está diretamente relacionada à capacidade das instituições em cooperarem na construção do conhecimento e inovação.

Artificial

São as ferramentas de comunicação, de criação de espaços virtuais de colaboração, de solução de problemas e transparência administrativa.

Tomemos três exemplos isolados de cada uma destas dimensões e constatamos, de imediato, que elas mesclam-se.

Isadora Farber, uma menina de treze anos da cidade de Florianópolis, criou uma página no Facebook para documentar os problemas da escola pública onde estudava. No momento em que eu escrevia este artigo a página de Isadora tinha quase 400 mil seguidores e um de seus mais recentes posts já tinha mais de 17 mil curtidas, quase três mil comentários e quase 1.500 compartilhamentos. Além da página, Isadora criou polêmica. Mas a maior parte dos problemas de sua escola foram resolvidos e, de quebra, muita gente seguiu o exemplo e publica na página os problemas de suas próprias escolas. Inteligência, inventividade e criatividade da Isadora. Impactou o coletivo, usando ferramentas de comunicação.

A Casa da Cultura Digital, no centro de São Paulo, abriga cerca de 100 pessoas que compõem várias empresas da área de comunicação que, ao invés de competir, cooperam. Elas distribuem negócios entre si e buscam, em conjunto, novas oportunidades. Assim como a Casa de Cultura Digital há vários outros coletivos, espaços conhecidos como coworking. Uma nova forma de trabalho e cooperação.

O portal brasileiro Queremos Saber é baseado, assim como vários outros no mundo inteiro, no software livre Alaveteli (dimensão artificial, espaço virtual de colaboração) que permite aos cidadãos fazerem perguntas e pedidos pública e diretamente àqueles que estão no poder acompanhando, também de forma pública, as respostas. Isso possibilita e evidencia a transparência pública administrativa e facilita a fiscalização da população àqueles que foram, por ela, eleitos. O Alaveteli também permite uma fácil integração com as redes sociais.

A combinação de softwares livres, dados abertos, a integração com redes sociais permite uma gama de ferramentas de interação que só tem limite na criatividade do indivíduo ou da coletividade. Apenas para ficar em um exemplo, o portal PoaBus mostra itinerários e paradas de ônibus na cidade de Porto Alegre e qualquer um com uma conta de email no Google pode contribuir para melhorar as informações.

Estas são ideias boas, mas claro que nem tudo é simples. Uma nova ideia revolucionária, aquela que melhorará muito a vida das pessoas, gerará empregos, renda, não surge de uma hora para a outra. Mas os elementos para a semeadura deste tipo de ideias já estão todos disponíveis. E hoje, com a quantidade de coisas que já foram feitas, uma grande ideia pode vir de uma pequena inovação feita a partir de tudo o que já existe. Lembre-se que o homem só foi a Lua porque Pitágoras, Báskara e Newton haviam desenvolvido a trigonometria e a equação de segundo grau que, por sua vez, é a base da mecânica clássica.

Para termos uma vida melhor temos que lutar contra algumas coisas que impedem o livre uso do conhecimento. O homem foi à Lua sem que a Nasa tivesse que pagar pelo uso do conhecimento descoberto ou aprimorado por Pitágoras, Báskara, Newton, Euclides e tantos outros. A Red Bull patrocinou um salto estratosférico com este mesmo conhecimento.

Antes falei de nossa fixação por meios de transporte. O transporte público é um caos nas grandes cidades em grande parte porque todo mundo quer ter seu carro e andar sozinho nele. Temos que abandonar algumas ideias antigas e isto não é fácil. Temos que deixar de lado esta coisa de viver empilhados em grandes cidades, andando sozinhos em automóveis para cinco pessoas. A empresa alemã Bemobility desenvolveu um carro para uma pessoa, mas que não será de propriedade dessa pessoa e sim de alguma empresa de transporte público. Eu usaria um cartão prepago ou pospago, ou um smartphone com tecnologia NFC, que eu encoste no carro para carregá-lo com créditos equivalentes aos quilômetros que vou dirigir. Ideia excelente, mas se eu quiser fazer um carro igualzinho ao da Bemobility eu tenho que ter cuidado, pois posso estar infringindo patentes da Bosch ou de alguma outra empresa. A base do armazenamento de energia para carros elétricos é a bateria química, criada por Alessandro Volta, cerca de 1800, que não patenteou seu invento.

Não tenho nada contra as pessoas ganharem dinheiro com boas ideias mas, no limite, é um absurdo que alguém construa uma nova ideia calcada em tantas outras ideias livres e diga que, daquele ponto em diante, a partir de sua invenção, a ideia passa a ser proprietária. Mas o bom é que as patentes acabarão por caírem em seu próprio ridículo. Ou alguém acha válido patentear algo como deslizar para ligar, o duplo clique ou o método de exercitar gatos com lanternas laser?

Para concluir, os elementos para a construção de cidades cada vez mais inteligentes já estão aí. Como indivíduos, devemos buscar conhecê-los e trabalhar em grupo, pensando no bem da coletividade para a construção de cidades e de um mundo cada vez melhor.

Este artigo foi adaptado da apresentação que fiz na Latinoware 2012, em conjunto com o pessoal da AIESEC Curitiba, Operações em Foz do Iguaçu. Mais informações e um link para a própria apresentação estão aqui.

Sobre o autor

Cesar Brod usa Linux desde antes do kernel atingir a versão 1.0. Dissemina o uso (e usa) métodos ágeis antes deles ganharem esse nome. Ainda assim, não está extinto! Escritor, consultor, pai e avô, tem como seu princípio fundamental a liberdade ampla, total e irrestrita, em especial a do conhecimento.

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