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Por Cesar Brod
Data de Publicação: 09 de Janeiro de 2014
Não é de hoje que nossos hábitos de compra e nosso comportamento em geral são monitorados a fim de que corporações tomem, eficientemente, o nosso dinheiro. O título deste artigo é baseado em uma matéria do New York Times de fevereiro de 2012, que conta como a grande loja de departamentos Target deu a notícia, a um incauto pai, da gravidez de sua filha adolescente.
Em resumo, o índice de gravidez da guria, inferido a partir dos itens que ela colocava em sua cestinha, levaram o sistema de marketing da loja a enviar, para a casa dela, vários cupons promocionais para a aquisição de itens como mamadeiras, roupinhas de bebê e brinquedos. O pai, puto com a história, ligou para a loja e disse que era um absurdo o que estava acontecendo e perguntou se eles estavam tentando incentivar a gravidez na adolescência. Dias depois, ele pediu desculpas dizendo que havia coisas acontecendo em sua casa sobre as quais ele não estava completamente a par e que, em alguns meses, teria um netinho.
Não sou nenhum neurótico com relação ao uso de informações coletadas - de forma consentida! - para que seja melhorada a qualidade de vida das pessoas. No mundo capitalista essa melhoria implica, também, na melhor oferta de itens de consumo, direcionados especificamente a nossos interesses. Mas o pessoal está perdendo um pouco a noção das coisas. Com certeza, eu quero receber a notícia da gravidez de uma das minhas filhas por meio delas e não do Submarino!
Em 2009, Eric Schmidt, que foi o CEO do Google até 2011, disse que se queremos manter escondido algo que fazemos, nem deveríamos estar fazendo tal coisa. Suas exatas palavras:
"If you have something that you don't want anyone to know, maybe you shouldn't be doing it in the first place."
Será mesmo?
O art. 5.o, XI, da Constituição Federal Brasileira diz, explicitamente, que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". Leis similares existem em outros países. Os dados da guria grávida foram obtidos fora de sua casa, mas o resultado da análise destes dados, o "teste de gravidez" engendrado pelo sistema de análise de dados da loja Target, foram entregues no seu domicílio, para o seu pai.
E como funciona quando um computador está dentro da casa da pessoa, conectado à internet? Na prática, é a lógica do vampiro: ele não pode entrar na sua casa sem ser convidado, mas depois que está dentro... Os vampiros de dados apresentam-se à sua porta na forma daqueles contratinhos que as aplicações web exibem e você clica em "aceitar" sem ler o que está escrito. Afinal, do que adianta mesmo ler? Você não vai querer deixar de usar o aplicativo, certo? Além do mais, você acredita - e deve mesmo acreditar! - que nenhuma empresa na web irá fazer o mal. Ao menos não de propósito. A mitologia adolescente atual tem mostrado que até os vampiros são bonzinhos.
Por outro lado, onde é a casa de hoje? Assim como eu faço uma extensão física à minha casa, um puxadinho, meu perfil em uma rede social, os documentos que guardo na nuvem, não são uma espécie de puxadinho virtual? Mesmo eu tendo clicado em vários botões "aceitar"?
O criador do Facebook, Mark Zuckerberg, diz que a privacidade é uma norma social em evolução. Não discordo. Se, ainda no início desse século, muitas pessoas ainda pensavam em qual seria a vantagem em estar presentes na internet, hoje mais de um bilhão delas estão no Facebook e em outras redes sociais, gerando volumes de dados suficientes para apontar, com cerca de 90% de certeza, se seu filho é gay ou não.
Aliás, falando sobre opções sexuais, não há dúvida alguma que a internet ampliou a discussão sobre o assunto e pessoas públicas abertamente gays como o George Takei e a Daniela Mercury vem ajudando muitos a não precisarem esconder suas opções e a lutarem contra preconceitos que não mais deveriam existir. Ainda assim, acho que todo o filho tem o direito de conversar sobre sua sexualidade com seus pais antes de que eles recebam, pelo correio, as mais recentes promoções da Rainbow Store.
Você não vai querer ser um eremita e viver em uma caverna, recluso e alheio às maravilhas do mundo conectado. É esse mundo conectado que está nos permitindo nublar fronteiras físicas, organizar lutas pela liberdade e pela democracia e discutir questões de privacidade, anonimidade e proteção das garantias públicas e individuais. É da natureza humana explorar e sempre que tivemos meios assim o fizemos. Mas você deve tomar conhecimento sobre a forma como pensam as organizações às quais você entrega, de boa vontade, os seus dados, assim como entender o que está sendo feito com eles.
De qualquer forma, se você é gay ou está grávida, o melhor é correr e contar logo para seus pais.
Cesar Brod usa Linux desde antes do kernel atingir a versão 1.0. Dissemina o uso (e usa) métodos ágeis antes deles ganharem esse nome. Ainda assim, não está extinto! Escritor, consultor, pai e avô, tem como seu princípio fundamental a liberdade ampla, total e irrestrita, em especial a do conhecimento.
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