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Patentearam o ensino a distância...

Por Jaime Balbino

Data de Publicação: 30 de Agosto de 2006

A BlackBoard, conhecida desenvolvedora de soluções para EAD, há mais de 10 anos no mercado e que recentemente comprou a canadense WebCT, sendo detentora hoje de mais de 50% das vendas de softwares na área, conseguiu nos EUA a patente de tecnologias e idéias em e-learning. Pelos acordos multilaterais, estas patentes são válidas em diversos países, incluindo União Européia e Brasil.

O alvo da empresa são as iniciativas em software livre, como o Moodle e o dotLRN, que com estruturas colaborativas de desenvolvimento tendem a ser mais ágeis na elaboração de soluções inovadoras, tornando-se uma séria opção para os médios e grandes consumidores, principal foco (e preocupação) da Blackboard.

Estas patentes fazem parte de uma estratégia de longo prazo da BlackBoard para "brecar" a adoção de soluções livres para manter-se lider no mercado e principal "berço" da inovação. Mais do que um ato (questionável) para a sobrevivência da empresa, admite -se aí que as soluções livres são tão estáveis quanto as opções fechadas.

A BlackBoard não deve aplicar seus direitos sobre as patentes de imediato. A estratégia centra-se em criar um imbróglio jurídico que impeça a adoção de soluções livres por novos clientes, receosos em enfrentar futuras ações judiciais por quebra de patentes. Como veremos a seguir é impossível apontar, de antemão, onde um software usa uma idéia ou recurso patenteado.

Deixando de lado a discussão da patente em si, quero contextualizar alguns aspectos relevantes, principalmente para eliminar qualquer relação das práticas da comunidade de software livre com termos como pirataria intelectual.

É direito da Blackboard resguardar suas idéias, isto está explícito em praticamente todas as vertentes do software livre. No entanto, a totalidade das idéias inicialmente desenvolvidas pela Blackboard/WebCT são resultado do desenvolvimento coletivo da comunidade internacional, seja por meio de seus usuários, colaboradores e desenvolvedores de soluções alternativas e concorrentes. A BlackBoard/WebCT usou e abusou, mesmo que indiretamente, de congressos internacionais, verbas governamentais para pesquisa e outras formas de financiamento e colaboração. As boas práticas em EAD que hoje temos, seja nas interfaces dos produtos, seja na gestão dos sistemas, seja nas ferramentas disponíveis, seja em quaisquer outros componentes de um software para educação (excluindo seu código) são uma construção coletiva que possui muito pouco ou nada da inovação em uma única empresa. O primeiro WebCT, de fato inovador como iniciativa comercial, já não tinha mais nada a ver com tudo o que foi feito logo em seguida. Um marco sim, mas nunca o "DNA" de tudo o que veio em seguida.

A pior situação é que os próprios Padrões Internacionais, construídos dentro deste espírito de colaboração e aproveitando-se das "boas práticas" de toda a comunidade de e-learning, podem transformar-se em "contratos de adesão às patentes", quando adotados pelos produtores de software, já que a BlackBoard e a WebCT participaram ativamente da criação destes padrões e permitiram o uso de suas idéias e de seus sistemas durante sua elaboração. Mesmo os padrões mais recentes e avançados, que não têm tais empresas como "berço", como o IMS-LD, ficam na berlinda, pois mantêm a compatibilidade com os padrões mais antigos, entre outros aspectos.

Vale ressaltar, que as patentes da Balckboard sobre o e-learning não se referem exclusivamente ao código do software, mas a idéias e procedimentos hoje amplamente utilizados. Assim, mesmo aqueles softwares construídos à margem das tendências mundiais da década passada, como o Teleduc, podem ser questionados juridicamente, pois pode-se questionar soluções adotadas na interface ou no programa, mesmo tendo sido desenvolvidas de maneira independentemente ou com base em trabalhos públicos. O objetivo mais uma vez nestes casos não é resguardar direitos intelecutais, mas criar instabilidade suficiente para impedir a adoção da solução concorrente/alternativa pelos potenciais grandes clientes.

Esta é uma prática disfarçada de reserva de mercado, muito comum, infelizmente, nas grandes corporações (veja este artigo). Na indústria de software é uma estratégia já antiga, quase sempre com o mesmo objetivo. A AT&T alegou que os engenheiros que fizeram o FreeBSD estavam "contaminados" por também terem participado da criação do Unix (o primeiro). A solução da Universidade de Berkeley, na Califórnia, que não podia arcar com os custos de uma disputa judicial para provar o contrário, foi fechar as portas por dois anos e reescrever todo o Sistema Operacional (em tempo: as soluções criadas pelo FreeBSD se tornaram padrão em muitas áreas e são utilizados inclusive pela Microsoft, sem ônus algum). Recentemente também tivemos ações sobre patentes envolvendo partes do código do Linux, com o mesmo objetivo de "desestabilizar" a legalidade de uso da solução.

O caso é grave, sim, mas não é limite. Uma vez aberta qualquer ação de direito sobre patente seriam necessários muitos anos até se apontar onde de fato há o uso da idéia original para a partir daí se definir valores de idenização. Tais patentes representam, então, mais uma "salvaguarda" para uma eventual perda significativa de mercado.

Mas talvez devêssemos pensar em fazer como em Berkerley: elaborarando um conjunto de soluções envolvendo idéias, interfaces, procedimentos e padrões que não estejam patenteados. Começaríamos apontando o que há de livre no que temos hoje. Know-how e inteligentsia nós temos para isso.

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Sobre os autores

Jaime Balbino Gonçalves

Jaime Balbino Gonçalves da Silva é Learning Designer e consultor em automação, sistemas colaborativos de ensino e avaliação em EAD. Pedagogo e Técnico em Eletrônica. Trabalha na ProfSAT - TV Educativa via Satélite. Reside em Campinas, São Paulo.

jaimebalb (em) gmail (ponto) com

Marcos Silva Vieira

Professor desde 1986. Pedagogo, criou projetos de laboratórios de informática nas escolas. Coordena grupos de trabalho em educação inclusiva e uso de novas tecnologias. Faz parte de comunidades Linux voltadas a educação como Linux Educacional, Pandorga GNU/Linux dando apoio pedagógico. Palestrante e ministrante de cursos de formação em software livre educacional desde 2009. Participante e palestrante de eventos como Latinoware (foz do iguaçu), FISL (Porto Alegre), Freedom Day (novo hamburgo), Congresso Alagoano de Tecnologia de Informação - COALTI (edições em Alagoas e Pernambuco). Entusiasta de distribuições linux desde 2002.


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