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WiMax + TV Digital: ou o difícil percurso de uma política de inclusão no Brasil

Por Jaime Balbino

Data de Publicação: 15 de Setembro de 2006

Há alguns dias a ANATEL teve frustrado seu leilão das faixas de freqüência destinadas ao WiMax em todo o Brasil, a mais recente e inovadora tecnologia sem-fio para serviços digitais. O leilão está suspenso em virtude de diversas incongruências encontradas no edital (até então considerado "perfeito" pelos consultores da agência reguladora), sendo uma delas o valor inicial extremamente irrisório (R$ 655,71) para os interessados em oferecer serviços por 15 anos na cidade de Ribeirão Preto, importante pólo paulista com mais de 500 mil habitantes.

Tecnocracias à parte, o que fica claro no edital publicado pela Agência Nacional de Telecomunicações - órgão regulador independente do Governo Federal - é a crença cega na capacidade de, por si só, o mercado suprir as necessidades de todas as camadas da população, sem regulamentações rígidas que garantam a qualidade e o atendimento de demandas sociais. Com exceção da telefonia fixa, que "herdou" cláusulas sociais do sistema ainda vigente antes da privatização das telecomunicações da década de 90 (como a manutenção de orelhões e a universalização da oferta dos serviços), as concessões para a telefonia celular e Internet nunca careceram da mesma preocupação, já que a auto-regulamentação do mercado terminaria por "naturalmente" incluir todas os níveis sociais, transformando cada cidadão em um cliente capaz de comprar serviços de acordo com a demanda de sua classe.

A ANATEL e outras agências ainda acreditam neste modelo auto-regulatório, mesmo com indicações claras de que isto não ocorre na prática, seja porque qualquer processo de inclusão é mais complexo do que uma simples questão de demanda; seja porque o lucro, verdadeira e única ideologia do capitalismo, não assume riscos desnecessários. A universalização do sistema significa o aumento da base de clientes, com muito mais investimentos e diminuição do lucro per-capita. O mercado real prefere manter uma base potencial de clientes pequena, onde os grandes investimentos possam ser amortizados rapidamente por meio do monopólio e do aumento do custo por usuário.

É claro que às vezes a auto-regulamentação parece funcionar ao atender grande parte da demanda social. Porém, o aumento no uso de celulares através do sistema pré-pago e a queda no custo da internet de banda-larga em alguns estados não deve ser visto como prova de mérito, já que ainda estamos longe de um modelo sustentável que garanta a universalização dos serviços. Além do mais, garantir a oferta não é a mesma coisa que garantir ao cidadão a posse e o uso da tecnologia a preços justos e com qualidade.

A licitação ora suspensa não exige das concessionárias nenhum compromisso com a universalização (podendo estas, inclusive, permanecer 10 anos sem oferecer qualquer serviço na freqüência que adquiriu). Escolas públicas e regiões com baixa densidade demográfica, por exemplo, tendem a ficar excluídas do acesso a esta tecnologia.

O Ministério das Comunicações tenta às pressas formalizar uma política mínima de inclusão digital ao inserir "quotas sociais" para tais concessões da WiMax, garantindo a universalização e desonerando serviços públicos essenciais, como a educação. Curiosamente é exatamente a falta de uma política de longo prazo para a área que permite a ANATEL ter autonomia para definir e aplicar o modelo de concessão que lhe convém, mesmo que ele esteja muito aquém dos objetivos do governo do momento.

Há, no entanto, um ponto ainda mais crítico, pois, a meu ver, garantir a universalização e dar caráter social ao WiMax tem influência direta no modelo de TV Digital adotado pelo Brasil em junho deste ano.

O SBTVD-I terá quatro características fundamentais: alta qualidade de som e imagem, baixo custo para o usuário, mobilidade e interatividade. Para que ocorra a interatividade é necessário o canal de retorno, uma estrutura que garanta o link entre o usuário e a emissora. Este link pode ser uma linha telefônica ou um serviço de banda-larga. O objetivo do governo de universalizar a TV Digital nos próximos 10 anos passa necessariamente pela oferta de serviços de banda-larga gratuita ou de baixo-custo em todo o território nacional. A universalização do WiMax através da adoção das quotas sociais com certeza ajudaria o governo no cumprimento de suas próprias metas.

Não sei com certeza se são estes os objetivos ocultos por traz dos últimos embates entre o Ministério das Comunicações e a ANATEL, no entanto várias vezes o atual governo deixou claro seu desejo de transformar a TV em um instrumento de inclusão digital, aproveitando-se da grande penetração deste meio de comunicação na sociedade brasileira.

No Brasil a regulamentação dos setores de telefonia (voz e dados) e de telecomunicação (TV, rádio, etc...) são diferenciados, isto torna a convergência um processo político complicado, onde a (falsa) dicotomia entre universalização e sustentabilidade, acima apresentada, é apenas uma parte do debate.

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Sobre os autores

Jaime Balbino Gonçalves

Jaime Balbino Gonçalves da Silva é Learning Designer e consultor em automação, sistemas colaborativos de ensino e avaliação em EAD. Pedagogo e Técnico em Eletrônica. Trabalha na ProfSAT - TV Educativa via Satélite. Reside em Campinas, São Paulo.

jaimebalb (em) gmail (ponto) com

Marcos Silva Vieira

Professor desde 1986. Pedagogo, criou projetos de laboratórios de informática nas escolas. Coordena grupos de trabalho em educação inclusiva e uso de novas tecnologias. Faz parte de comunidades Linux voltadas a educação como Linux Educacional, Pandorga GNU/Linux dando apoio pedagógico. Palestrante e ministrante de cursos de formação em software livre educacional desde 2009. Participante e palestrante de eventos como Latinoware (foz do iguaçu), FISL (Porto Alegre), Freedom Day (novo hamburgo), Congresso Alagoano de Tecnologia de Informação - COALTI (edições em Alagoas e Pernambuco). Entusiasta de distribuições linux desde 2002.


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