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Por Jaime Balbino
Data de Publicação: 05 de Abril de 2007
O que dizer de um computador portátil, semelhante a um UMPC (Ultra-Mobile PC) com tela de 7" sensível ao toque, conexão sem-fio e capaz de se "comportar" como um computador "de mesa", executando programas típicos de edição de textos, navegação web e multimídia, inclusive vídeo e TV, em uma interface de janelas convencional?
E o que dizer do preço previsto: abaixo de US$ 250 ou menos de R$ 550?!
O Mobilis foi lançado em maio de 2005, com o objetivo de ser um computador barato e portátil para uso geral. É fácil imaginá-lo em empresas e em projetos de inclusão social; como o primeiro computador para jovens ou como equipamento móvel suplementar ao desktop. A modularidade do projeto permite a inclusão de funcionalidades que o adaptam aos mais diversos usos. É possível, por exemplo, fabricá-lo com GPS, para rastreamento e desenho de rotas em mapas, ou com um receptor para o Sistema Brasileiro de TV Digital.
Ele possui as características de um computador completo apesar de, tecnicamente, não passar de uma simples evolução do seu antecessor, o Simputer (tratado no artigo anterior). No entanto, sua usabilidade e estabilidade são surpreendentes. A experiência em manuseá-lo pouco difere daquela de modelos desktops populares, comercializados sob o selo do "Computador para Todos", do governo federal. Considerando-se o custo mais baixo e a mobilidade, o hardware modesto e o fraco desempenho não seriam problemas em muitas aplicações rotineiras:
Os testes que realizei estão longe de serem definitivos, mas foram suficientes para avaliar a viabilidade e o nível de desenvolvimento do projeto. O ambiente gráfico do Linux era bem familiar, permitindo inclusive a abertura de vários programas simultaneamente e sem travamentos perceptíveis; a exceção foi o Firefox, muito "pesado" na inicialização, como era de se esperar, talvez fosse interessante trocar por outro navegador "mais leve" e igualmente funcional, como o Dillo. Chamou minha atenção que os recursos multimídia estivessem concentrados no VLC, um tocador/conversor/servidor de áudio e vídeo altamente configurável pouco conhecido, mas que utilizo muito. Uma ótima escolha, dado o futuro promissor deste programa.
Tal qual o Simputer, o Mobilis não foi concebido primariamente como um projeto educacional. A Encore enfatizou este aspecto após o advento do XO, firmando então parcerias com desenvolvedores de software e conteúdo para educação. O modelo de negócios da empresa indiana também difere profundamente da OLPC, já que o Mobilis deve ser vendido no mercado de varejo e não só para governos e escolas.
Pelo pouco contato que tive e por ser uma máquina que pode assumir diferentes formas e funções, não me arrisco a fazer uma análise pedagógica, mesmo que inicial. É evidente sua vocação como produto de uso geral, destinado aos mais diferentes tipos de públicos e projetos. Na minha opinião, enquanto o XO possui um foco claro nas crianças e no ensino, o Mobilis atual está melhor configurado para professores, escolas particulares e outros nichos educacionais que suportem projetos personalizados.
Com os incentivos da Lei de Informática e demais benefícios para a produção de computadores do governo federal, a Encore pretende montar o Mobilis no Brasil já no mês de abril (é improvável que isto de fato aconteça, em virtude da burocracia e da baixa liquidez dos eventuais parceiros brasileiros). A Encore demonstra agilidade e rapidez nas suas decisões, está disposta a jogar alto para se firmar neste novo mercado, para o qual parece possuir produtos maduros e estáveis. Tirando a OLPC, que é uma ONG sem fins lucrativos, nenhuma outra empresa ou entidade tem apostado tanto na disseminação dos computadores de baixo custo para as massas, nem mesmo a tailandesa Quanta, fabricante preferencial dos XOs e também a maior fabricante de laptops do mundo.
Apesar das vendas mundiais sempre crescentes e do contato cada vez maior das pessoas com a máquina nas mais diversas situações (bancos, telecentros, hospitais, e-governo, etc...), menos de 15% da população mundial possui, de fato, um computador. Programas filantrópicos e governamentais podem garantir o acesso coletivo em algumas situações, mas essas iniciativas também estão bem longe da universalização. Há um mercado potencial, formado por bilhões de excluídos, difícil de alcançar e, por que não dizer, difícil de satisfazer através do modelo tradicional de comercialização. A Encore possui know-how em equipamentos e soluções para este tipo de público, focando a popularização de máquinas e serviços. Suas escolhas tecnológicas, pesquisas e aprimoramentos são exemplares e servem, sim, de contraponto aos modelos de inclusão que os outros players implementam. Afinal, tal qual a OLPC, ela não baseia seu produto no mercado de hoyalties tecnológicos tradicional, seu diferencial está na otimização de tecnologia e conhecimentos já dominados e, por isso, mais fáceis e baratos de implementar.
As tecnologias mais recentes, além de mais caras, são muito mais difíceis (e onerosas) de integrar em equipamentos móveis. É muito mais simples resolver problemas de ventilação e consumo de energia num Intel PXA ou num AMD Geode do que em processadores Intel Core Duo de última geração, simplesmente porque eles são mais lentos e foram concebidos para sistemas embarcados que não necessitam de ventilação. Já comentei em outro artigo sobre o GP2X, projeto de mini-game e player de vídeo baseado em software livre que resolveu problemas de processamento de vídeo, colocando mais um processador de baixo-custo.)
Cabe aqui ressaltar o quão grande é o dilema comercial que se desenha para estas empresas como Quanta, HP, Dell, Intel e Microsoft. Assim como a popularização do PC, na década de 80, foi um "tiro no pé" nas intenções da própria IBM de manter seu modelo de negócios baseado na baixa-disponibilidade e na alta-qualidade dos seus produtos; a democratização da informática por meio de equipamentos e serviços extremamente baratos tende a mudar mais uma vez a maneira como vemos o computador.
Se na época dos mainframes a pergunta era "por que uma empresa utilizaria um micro-computador barato e instável ao invés de um IBM ou então os serviços de um birô profissional?", a pergunta que começa a surgir é "por que pagar tão caro por celulares, PDAs, bluberries e laptops se seus principais atrativos, como a mobilidade, podem satisfatoriamente alcançados por equipamentos de tecnologia antiquada, porém estável e muito mais barata?".
A título de comparação com o pretensioso preço citado de US$ 200, os UMPCs tradicionais mais baratos estão na faixa de US$ 1.500 (no Brasil um desses não sai por menos de R$ 3.500). É claro que o Mobilis não é um UMPC, já que não possui disco-rígido e não pretende substituir por completo o PC convencional. Além disso, por tradição, os UMPCs costumam ter um hardware bem mais avançado e recursos adicionais, como telemetria.
Nos próximos meses assistiremos a uma enxurrada de novos projetos e conceitos de computadores de baixo-custo, com foco nos mais diferentes nichos, em especial a educação (onde, não sei porquê, muitos desenvolvedores acham que é fácil ganhar dinheiro). Será um longo caminho até que se possa dizer que os mercados para este tipo de equipamento se encontram saturados. Nesse contexto, a hora da Encore é agora! Já que ela parece ser a única empresa com um produto coerente com uma filosofia de inclusão, pronta para iniciar definitivamente esta revolução.
Caso contrário, outros tomarão seu lugar e os ideais que ajudaram a construir o Simputer, o Mobilis e até o XO terão mais dificuldades para se afirmar.
Página do Mobilis e da Encore
Blog sobre UMPCs (Atente-se para a grande variedade de equipamentos e dispositivos curiosos)
Os modelos mais conhecidos de UMPC
Sobre o R2H, da Asus, primeiro UMPC comercializado no Brasil.
Blog Mobilidade em Educação: Fotos do XO, Classmate e Mobilis
O Américo Damasceno escreveu um texto interessante em seu blog sobre o "problema" que é para os grandes fabricantes o barateamento e as mudanças de paradigmas em seus negócios, mesmo as que são diretamente patrocinadas por eles, como no caso da IBM e seu computador PC.
Apresentação de Vinay Deshpande, da Encore, para o portal e-Brasil
O blog Netlus também avaliou o Mobilis. Sua análise serve de contraponto a este artigo, já que foram bem mais céticos do que eu, tomando como base outros parâmetros. Por exemplo, deram muita ênfase ao desempenho em detrimento do preço, além de o compararem ao ClassMate.
Ao LSI/USP por ter promovido o meu primeiro contato com o Mobilis, o ClassMate e o XO; aos Profs Renato Sabbatini e Alexandre Sabbatini por terem disponibilizado os equipamentos para avaliação; e ao Prof. Peter Knight, representante da Encore no Brasil, pelo incentivo e disponibilidade.
Jaime Balbino Gonçalves da Silva é Learning Designer e consultor em automação, sistemas colaborativos de ensino e avaliação em EAD. Pedagogo e Técnico em Eletrônica. Trabalha na ProfSAT - TV Educativa via Satélite. Reside em Campinas, São Paulo.
jaimebalb (em) gmail (ponto) com
Professor desde 1986. Pedagogo, criou projetos de laboratórios de informática nas escolas. Coordena grupos de trabalho em educação inclusiva e uso de novas tecnologias. Faz parte de comunidades Linux voltadas a educação como Linux Educacional, Pandorga GNU/Linux dando apoio pedagógico. Palestrante e ministrante de cursos de formação em software livre educacional desde 2009. Participante e palestrante de eventos como Latinoware (foz do iguaçu), FISL (Porto Alegre), Freedom Day (novo hamburgo), Congresso Alagoano de Tecnologia de Informação - COALTI (edições em Alagoas e Pernambuco). Entusiasta de distribuições linux desde 2002.
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