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Por Jaime Balbino
Data de Publicação: 01 de Junho de 2007
Com o aumento das fontes de informação e com a pluralidade de pessoas com amplo acesso aos meios de reproduzir e divulgar suas opiniões é cada vez mais difícil agir assertivamente quando nos encontramos diante de uma notícia. O simples fato daquilo estar escrito em um jornal ou reproduzido em imagens e gráficos na tela da TV lhe confere uma aura de credulidade que supera a própria lógica e contexto. Uma notícia não precisa ser coerente, basta ser agradável aos olhos e ouvidos.
O Jornal Nacional do dia 28 de maio deu dois ricos exemplos de como informar e propagandear são conceitos às vezes indissociáveis nas redações, passando-se por cima de qualquer ética jornalística ou compromisso com o telespectador. São fatos que demonstram a urgência em se aprender a ver criticamente os meios de comunicação, qualquer que seja a mídia ou a fonte.
O primeiro caso fez parte da campanha velada do jornal contra o conceito de cotas raciais e, mais diretamente, o Estatuto da Igualdade Racial, em discussão no Congresso Nacional. Nada contra um órgão de imprensa privado deixar clara sua posição sobre determinado tema de interesse público ou particular, utilizando-se de instrumentos jornalísticos (como generalizar casos específicos e raros) e do apoio de pessoas, pesquisas e opiniões que corroborem sua tese. Mas o que se vê no JN neste caso está muito longe de ser ético, pois praticamente são censuradas quaisquer elementos positivos, impedindo o debate e omitindo conscientemente a pluralidade necessária.
No noticiário em questão, utilizou-se uma pesquisa já publicada em outros órgão de imprensa, inclusive jornais impressos, que confirma o auto grau de miscigenação racial da população brasileira e afirma a predominância de genes europeus, mesmo em cidadãos declarados negros e identificados como tais. A pesquisa também faz uma amostragem não-significativa com 8 personalidades nacionais e descobre que a maioria delas possui mais genes europeus do que afro-descendentes. A reportagem cita diretamente o cantor Neguinho da Beija-Flor e a ginasta Daiane dos Santos, ambos com mais de 60% de genoma europeu - não é citado na reportagem o músico e ator "Seu" Jorge, com mais de 80% de genoma afro.
A pesquisa em si é reveladora, mesmo a amostra não-significativa de 8 personalidades vale como curiosidade social. Mas não passa desapercebido o uso equivocado destas informações como parte da campanha para negar as políticas de afirmação racial ora em discussão. Parece que para o jornal há, agora, uma "comprovação científica" de que não existem negros "geneticamente verdadeiros" no Brasil, inviabilizando qualquer política de reparação ou afirmação. A "harmonia racial" da Casa Grande e da senzala foi mais forte do que se pensava e se propagou como uma marca indelével por toda a população brasileira. Convenientemente ignoram-se as desigualdades, preconceitos e areal qualidade de vida dos negros e dos "negros de tão pobre que são",. Neste jornalismo não há espaço para a questão fundamental: racismo e preconceito são questões sócio-culturais e não genética, eles fazem parte da nossa história e encarar o debate é mais do que necessário. Daiane dos Santos não será vista como européia agora que sabemos de onde vieram seus ancestrais, assim como não deixará de ser vista como negra com toda a carga positiva e negativa da sua cor e origem social.
O segundo caso, mais absurdo, foi a notícia de que no congresso de rádio difusão, realizado naqueles dias em Brasília, havia sido divulgado uma pesquisa "acadêmica" que comprovaria uma relação direta entre o aumento do tempo de exposição à informação fornecidas pela TV e pelo rádio e o Índice de Desenvolvimento Humano e a escolaridade do cidadão. Em outras palavras, a pesquisa diz textualmente, segundo a reportagem, que um aumento de 10% na exposição de um indivíduo à TV ou rádio ocasionava um aumento significativa (na ordem de 1,6% a 4%) na qualidade de vida e nos salários(!). A pesquisa foi apresentada pelo médico, ex-ministro da economia e atual deputado federal Antonio Palocci.
Esta relação irreal e absurdamente invertida - muito provavelmente é o aumento da qualidade de vida e da escolaridade que causa maior procura do indivíduo por informação na TV e no rádio - tornou-se pauta e matéria no principal tele-jornal da TV brasileira (e sabe-se lá mais onde) e, além disso, foi respaldado por um congresso de profissionais da comunicação, simplesmente porque os valoriza. Talvez estes profissionais costumem deixar a criticidade de lado em assuntos de seu interesse, mas acho incrível que acreditem que seus telespectadores, ouvintes e leitores devam fazer o mesmo...
A grande imprensa brasileira costuma se vangloriar de possuir códigos de ética, manuais de conduta, independência profissional, liberdade crítica, espaços democráticos para o leitor e diversos outros procedimentos que garantiriam a pluralidade de opiniões e a busca de pautas de interesse social. Infelizmente, tais mecanismos servem mais para acobertar ações contra a liberdade de informação. Um exemplo é o "Painel do Leitor" do jornal A Folha de São Paulo que tem deixado de ser um fórum democrático do leitor comum para se tornar um espaço de contestação dos atingidos pelas reportagens dos dias anteriores; alem de ceder cada vez mais espaço para erratas constrangedoras. A revista Veja vai mais longe e parece só publicar as cartas de leitores que aprovam sua linha editorial, negando para si a pluralidade.
Identificar a "linha editoral" ou, melhor dizendo, a opinião ideológica que pauta as redações é cada vez mais fundamental para que consigamos construir posições críticas condizentes com nosso modo de pensar (qualquer que seja ele) e não apenas agir de maneira a reproduzir incoerentemente opiniões e ações ditadas através da mídia. A regra é não confie em nenhuma informação pois é a variedade de fontes que faz uma boa opinião. Todos nós temos aquele informante que consideramos confiável e que é o primeiro ao qual nos reportamos para checar ou receber uma primeira notícia, mas isso não nos redime de ir além, comparando e contextualizando toda a informação que consumimos, mastigando e misturando antes de engolir.
A grande mídia não é wiki. Ela ainda não sabe trabalhar com a pluralidade pois se considera déspota da informação. Se temos que conviver com tais formas anacrônicas de fazer notícia é urgente que renovemos nosso olhar sobre o que aceitamos em nossa composição diária.
reportagem e vídeo sobre a herança genética do brasileiro.
reportagem e vídeo sobre o Congresso da ABERT.
Site da ABERT
Slides da apresentação da pesquisa que cruza radiodifusão e desenvolvimento econômico. A matéria do JN enfatiza em demasia o caráter social dos resultados, mas é perceptível que a Tendências Consultoria Integrada, realizadora da pesquisa baseou-se apenas em aspectos econômicos de interesse ao mercado publicitário. A apresentação defende cientificamente a relação direta entre o aumento da exposição à TV e melhoria de indicadores sociais. Estatisticamente é possível provar tudo, como diz minha mãe, principalmente se você simplificar ao máximo a realidade, limitando drasticamente as variáveis sócio-econômicas.
Sobre wiki e comunicação social veja artigo anterior.
Jaime Balbino Gonçalves da Silva é Learning Designer e consultor em automação, sistemas colaborativos de ensino e avaliação em EAD. Pedagogo e Técnico em Eletrônica. Trabalha na ProfSAT - TV Educativa via Satélite. Reside em Campinas, São Paulo.
jaimebalb (em) gmail (ponto) com
Professor desde 1986. Pedagogo, criou projetos de laboratórios de informática nas escolas. Coordena grupos de trabalho em educação inclusiva e uso de novas tecnologias. Faz parte de comunidades Linux voltadas a educação como Linux Educacional, Pandorga GNU/Linux dando apoio pedagógico. Palestrante e ministrante de cursos de formação em software livre educacional desde 2009. Participante e palestrante de eventos como Latinoware (foz do iguaçu), FISL (Porto Alegre), Freedom Day (novo hamburgo), Congresso Alagoano de Tecnologia de Informação - COALTI (edições em Alagoas e Pernambuco). Entusiasta de distribuições linux desde 2002.
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