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Por Jaime Balbino
Data de Publicação: 14 de Fevereiro de 2008
A primeira pesquisa brasileira metodologicamente consistente sobre a influência dos computadores na aprendizagem concluiu que há uma piora no nível de aprendizagem dos alunos que mais os utilizam, sendo seus efeitos ainda mais sensíveis nas camadas mais carentes da população. Neste artigo relativizamos as conclusões e situamos a sua influência nos projetos de inclusão atuais e futuros.
É esse o resumo da reportagem do Estado de São Paulo publicada hoje que alude a uma pesquisa contextual realizada na Unicamp com base nos dados do SAEB. A pesquisa se tornou artigo publicado em setembro do ano passado na renomada revista "Educação e Sociedade".
Tanto a reportagem quanto a pesquisa são extremamente coerentes, embora o foco da última tenha sido o uso do computador (não de laptops educacionais), é inegável que a motivação para a análise partiu da política agressiva de inclusão digital do governo federal e principalmente de suas intenções de implementar o modelo 1:1 no Brasil.
Os pesquisadores tem um vasto currículo no estudo das TICs e dos seus impactos sociológicos na educação e curiosamente sua produção normalmente faz uma abordagem positiva, ao contrário de outros "pesquisadores" visceralmente contrários à idéia de universalização de uma cultura digital na escola.
Exatamente por isso, este texto científico tão crítico merece destaque. Provavelmente esta também é a primeira pesquisa estatística séria sobre o tema realizada no país. Antes dela teríamos os próprios dados do SAEB que afirmam melhora no desempenho escolar de alunos com acesso a computadores - uma conclusão provada equivocada logo no início do artigo em questão.
Em resumo: junto com a avaliação do ensino básico, uma prova individual aplicada aos alunos, o SAEB perguntou às crianças se utilizavam o computador nos estudos da matéria em questão (português ou matématica). Com base nestes dados e outras fontes sócio-econômicas os pesquisadores concluíram que as crianças que fizeram uso moderado ou intenso de computadores (provavelmente em casa) no apoio aos estudos tiveram os piores resultados no "provão" do SAEB. Apenas os que fizeram "uso leve" de computadores tiveram um desempenho melhor perceptível.
Essa conclusão, vinda de pesquisadores sérios e entusiastas na área parece um "balde de água-fria" nos defensores da ampliação do uso das TICs na educação, principalmente no ensino básico. No entanto, exatamente pela seriedade, a própria pesquisa levanta outras discussões, aponta as próprias limitações e ainda aproveita para questionar a falta de objetividade da pesquisa acadêmica brasileira nesta área. É uma pena que numa obra dessa envergadura apenas a conclusão objetiva transcrita acima ganhe ampla divulgação nos meios de comunicação.
Para facilitar transcrevo a parte final do artigo no qual os autores analisam alguns possíveis motivos para o baixo desempenho dos alunos mais incluídos digitalmente:
Não há na bibliografia científica nacional (não estamos falando da bibliografia meramente 'teórica' construída sem extenso apoio empírico) nenhum reconhecimento da existência desta situação. Por esta razão, qualquer hipótese explicativa será necessariamente especulativa. A bibliografia sobre o 'paradoxo da produtividade' sugere uma hipótese: usuários de computadores mais pesados se dedicam aos estudos durante menos tempo e com menos afinco do que seus colegas, como padrões de menor tempo de uso. Existem outras hipóteses plausíveis: (...) os usuários intensivos de computadores já detêm um bom conhecimento do uso de programas de cálculo e de correção de ortografia. Dessa maneira, a aprendizagem de capacidades associadas à escrita e ao calculo manual é considerada por estes alunos cada vez menos relevantes. Porém, o SAEB testa o domínio de conhecimentos em matemática e português sem recurso ao uso do computador. Assim, os testes ignoram a natureza das capacidades dos usuários do computador. Uma terceira hipótese é derivada de um estudo recente de Bezerra (2006) que demonstrou que os alunos que trabalham por mais de duas horas por dia têm notas inferiores àqueles que não trabalham. Dessa forma, um número significativo de alunos que usam o computador para fazer os trabalhos de casa pode estar trabalhando, o que explicaria seu acesso ao computador. Ou seja, a relação entre uso intenso do computador e as notas baixas obtidas pode ser parcialmente devido ao fato de que o aluno trabalha.
São hipóteses que os pesquisadores não podem provar e, como se vê logo no início da citação, eles são muito críticos às teorias não-empíricas. Mas apontam caminhos explicativos, já que a relação por eles encontrada não pode ser considerada casual ou sistêmica ("uso de computadores = má educação").
Acrescento que o uso do computador da forma como levantada pelo SAEB, mesmo que como apoio ao estudo, não é a mesma coisa que o uso de computadores dentro da sala de aula, no apoio às atividades em classe e integrados conscientemente a um projeto pedagógico. Essa experiência inexiste em escala razoável no Brasil, eventuais avaliações de ensino poderiam ser bem mais positivas, mesmo que mantendo o escopo atual dos testes do SAEB.
É claro que esta é uma hipótese "não-empírica", mas é difícil supor que um esforço de integração consciente do computador à escola, com as informações que hoje possuímos, dessem resultados mais catastróficos que aqueles que já obtemos em nossas escolas. Digo isso porque projetos como o "Um Computador por Aluno" do governo federal visam uma renovação completa no modo de organizar e ensinar nas escolas, e o computador é apenas uma parte dessa revolução.
Além disso, em outros países, em especial na Europa, pesquisadores já analisam modelos híbridos que potencializem a experiência cognitiva com as TICs e outros recursos não informacionais. Há todo um novo campo educacional já em andamento, mas no Brasil, de fato, pouco se tem avançado neste sentido, quiçá empiricamente.
Leia as notícias publicadas no Estadão, no O Globo e na Fapesp, e também o artigo na íntegra no Scielo (lá você poderá imprimir ou guardar uma cópia em PDF).
Conheça também o livro de Jacques Wainer e Tom Dwyer: "Informática, Organizações e Sociedade no Brasil".
Jaime Balbino Gonçalves da Silva é Learning Designer e consultor em automação, sistemas colaborativos de ensino e avaliação em EAD. Pedagogo e Técnico em Eletrônica. Trabalha na ProfSAT - TV Educativa via Satélite. Reside em Campinas, São Paulo.
jaimebalb (em) gmail (ponto) com
Professor desde 1986. Pedagogo, criou projetos de laboratórios de informática nas escolas. Coordena grupos de trabalho em educação inclusiva e uso de novas tecnologias. Faz parte de comunidades Linux voltadas a educação como Linux Educacional, Pandorga GNU/Linux dando apoio pedagógico. Palestrante e ministrante de cursos de formação em software livre educacional desde 2009. Participante e palestrante de eventos como Latinoware (foz do iguaçu), FISL (Porto Alegre), Freedom Day (novo hamburgo), Congresso Alagoano de Tecnologia de Informação - COALTI (edições em Alagoas e Pernambuco). Entusiasta de distribuições linux desde 2002.
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