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GoogleTV - Muito barulho por (quase) nada

Por Jaime Balbino

Data de Publicação: 31 de Maio de 2010

Começou como um sistema de busca na internet, avançou para e-mail, depois foi a vez das redes sociais, geoprocessamento popular, softwares diversos super-direcionados e "nuvens". Aí se interessou também pelos celulares e, logo em seguida, sistemas operacionais.

O Google continua trabalhando com maestria num esquema que mistura ousadia e parcerias das mais diversas, principalmente com estímulo a softwares e padrões livres. Ao contrário das outras empresas, o foco não é a venda de produtos diretamente à população, mas proporcionar a melhor experiência na internet para poder vender serviços a outras empresas interessadas em chegar aos seus fiéis usuários.

Agora, diante da crise global que persiste ao norte do globo (pouco percebida por nós que estamos abaixo dos trópicos) a gigante da internet tem que manter a liderança aumentando a oferta de produtos inovadores, anunciando quase que semanalmente alguma coisa nova que satisfaça seus acionistas e mantenha seu valor de mercado em alta, na contramão das tendências da NASDAQ.

É como se não houvesse crise e o Google tivesse sua sede numa cidade brasileira, sem a dependência do poder de compra dos norte-americanos para sobreviver.

É neste contexto que surge o GoogleTV, um novo produto que avança sobre mais um nicho de mercado que, como nos celulares e sistemas operacionais, já tem uma alta concorrência estabelecida.

Não vamos neste artigo fazer mais um release. Vamos apenas fazer uma análise a partir do folclore que começou a surgir e que pode ser resumido na frase abaixo:

Transmitir em qualidade Full HD uma programação ao vivo pela internet para ser assistida simultaneamente por milhares de pessoas em TVs de 52".

Nada do que foi dito acima está explícito na propaganda, mas realmente somos induzidos a acreditar nesta maravilhosa perspectiva. Bastaria dizer que tal afirmação é tecnicamente inviável até no Japão, que possui a melhor banda larga popular do mundo. Vamos, então, colocar limites nisso.

O GoogleTV permite de fato:

  1. Baixar programação gravada (nada de "ao vivo");
  2. Buscar conteúdo no "estilo Google" em vários meios e de maneira integrada: internet, TV convencional, videoteca pessoal, seu catálogo pessoal de mídias físicas, lojas on-line, etc...;
  3. Jogar, ouvir música, etc...
  4. Interagir na web, como fazemos em nossos navegadores. Mas de uma forma bem diferenciada, é claro.

Observe-se que no item 4 não se fala em "interagir com a programação de TV", já que isto não se dá no âmbito do programa, mas no terreno da internet propriamente dita, via redes sociais ou outras ferramentas.

Isto é literalmente a integração do computador com o aparelho de TV. Mas de um aparelho de TV mais sofisticado com um computador bem mixuruca, porém com capacidade de decodificar vídeos em alta-definição (hoje em dia até celulares fazem isso com primor, mas muito pouco computadores baratos).

É bem diferente de uma integração do "sistema de TV" com o computador. Isso, por sinal, é o que a TV Digital Brasileira tem potencial para fazer através do Ginga. Nesse sentido o GoogleTV não é melhor que o SBTVDI, como muita gente começou a dizer por aí. É outra coisa.

Tecnicamente o sistema de broadcast da TV tradicional é muito mais fácil, econômico e abrangente para transmissões ao vivo, seja em baixa ou em alta definição. Para a interação com o conteúdo de TV é necessário um canal de retorno que pode ser via internet, mas as especificações desta conexão são bem mais modestas que para uma TV exclusivamente baseada na web, que precisa fazer trafegar o próprio conteúdo de mídia também pela internet.

Usar a Internet como meio de propagação, neste caso, limita a abrangência e inviabiliza alguns usos (como ver programas ao vivo). É óbvio também que o GoogleTV precisa de muita banda para realizar os 4 itens listados acima, mesmo porque seria contraproducente para a empresa anunciar que seu novo produto é em alguns aspectos mais limitado em conexões lentas e estreitas (como as existentes no Brasil e em grande parte dos EUA, publico principal da empresa).

Para que serve o GoogleTV então?

  1. Para fazer melhor/diferente o que muitos já fazem na internet diariamente: baixar vídeos, músicas e jogar on-line. Mas num esquema em que se possa cobrar pelo conteúdo baixado, como faz a Apple.
  2. Para bater de frente com as TVs a Cabo com sua programação repetitiva e sequênciada (você não precisa "se programar" para assistir a programação sequenciada da sua TV, você simplesmente escolhe o programa, baixa para o seu HD e assiste).
  3. Para bater de frente com o AppleTV, que oferece download de programas e séries de TV.
  4. Para bater de frente com o Xbox da Microsoft e o PlayStation 3 da Sony. Que oferecem jogos online.
  5. Para o Google continuar fazendo o que faz melhor: oferecer uma vivência na internet gratificante ao usuário, mesmo que isso não signifique cobrar-lhe diretamente por isso.

Como dito, o broadcast da TV convencional e a internet são tecnicamente muito diferentes e visam atender a necessidades humanas específicas. É por demais equivocado afirmar que o GoogleTV substituirá a TV convencional. Não é esse o caso e se isso acontecer um dia a culpa será do descompasso de um modelo de negócio anacrônico frente a um contexto cultural em mutação.

Por certo que na TV convencional o padrão de conteúdo sequenciado, o espectro limitado a algumas dezenas de canais e o monopólio da produção e distribuição do conteúdo são questões diametralmente opostas às ilimitadas possibilidades da internet aliada a democratização da expressão individual.

Mas tudo isso já é fato consumado sem o GoogleTV.

Só lembrando ainda que o TV Digital brasileira funciona em dispositivos móveis e permite aliar conteúdo interativo com mobilidade. O GoogleTV não prevê isso ou está limitado à existência de redes wireless largas e estáveis para interação (já que o conteúdo estaria previamente gravado no dispositivo ou "em download progressivo"). Em redes móveis o GoogleTV se transforma em um navegador web comum para celular.

Por fim, em caminho inverso, nada impede que o Ginga faça o papel de "anfitrião das mídias", agora reivindicado pelo GoogleTV. Aliás, o próprio Ginga, como padrão internacional UIT para interatividade, tem plenas condições de se livrar das amarras a que se submeteu ao aliar-se à TV convencional para participar, inteiro ou em partes, deste novo produto, cedendo código e know-how oficialmente, ou não.

Sobre os autores

Jaime Balbino Gonçalves

Jaime Balbino Gonçalves da Silva é Learning Designer e consultor em automação, sistemas colaborativos de ensino e avaliação em EAD. Pedagogo e Técnico em Eletrônica. Trabalha na ProfSAT - TV Educativa via Satélite. Reside em Campinas, São Paulo.

jaimebalb (em) gmail (ponto) com

Marcos Silva Vieira

Professor desde 1986. Pedagogo, criou projetos de laboratórios de informática nas escolas. Coordena grupos de trabalho em educação inclusiva e uso de novas tecnologias. Faz parte de comunidades Linux voltadas a educação como Linux Educacional, Pandorga GNU/Linux dando apoio pedagógico. Palestrante e ministrante de cursos de formação em software livre educacional desde 2009. Participante e palestrante de eventos como Latinoware (foz do iguaçu), FISL (Porto Alegre), Freedom Day (novo hamburgo), Congresso Alagoano de Tecnologia de Informação - COALTI (edições em Alagoas e Pernambuco). Entusiasta de distribuições linux desde 2002.


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