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Por Franklin Carvalho
Data de Publicação: 29 de Agosto de 2013
Daniel chegou às 11:40, com indiscutíveis olheiras. Portava dois envelopes volumosos apertados em um dos braços contra o peito, um pendrive entre os dentes, uma mochila nas costas, e no outro braço segurava uma sacola bem pesada, abarrotada de embrulhos misteriosos. Foi direto ao balcão e pediu ao gerente do hotel que anunciasse que estava à espera de Mr. Langdon. Para fazer-se claro, antes largou o pendrive que trazia na boca, aproximando-o sobre o tampo do balcão, falou o que precisava e voltou a pegá-lo com na boca, sob o olhar curioso do gerente, o que despertou-lhe a lembrança daquelas brincadeiras das quermesses de quando era criança.
— Mr. Langdon, aqui no hall está o Sr. Peres. Ele veio encontrá-lo. Claro, claro, Mr. Langdon, eu entendo. Já providenciarei as garrafas e as levo para a sala de reunião... Melhor engradado? Dois? Como queira, também acho melhor. Claro, Mr. Langdon, claro. Já vou providenciar, tá, tá, já tô indo, não precisa ficar impaciente... E desligou nervoso.
Ao desligar, olha para o Daniel e diz que o professor vai encontrá-lo na sala de reunião em instantes. Logo ali na segunda porta à esquerda, indica: Eu o acompanho, se o senhor desejar, disse o solicito gerente.
Daniel levanta-se, com o pendrive entre os dentes, mais a pacoteira que trazia com ele, declina a gentileza com um irrepetível "HãoReZiZaHão" e dirige-se para a sala indicada.
Um minuto depois o gerente abre a porta e arrasta, sala de reunião adentro, dois pesados engradados de água mineral. Coloca-os sobre a mesa oval, também dois copos, dois blocos de anotações, duas canetas BIC, liga o ar condicionado no máximo e completa com um: Ele já está chegando. Se precisar de algo o senhor pode me chamar digitando #9 ao telefone. E sai da sala de costas, sorrindo.
Outro minuto passado e chega Langdon. Apressado, aparentando desespero, pula para pegar uma garrafa no engradado, emborca-a quase na vertical e glub, glub, glub. Pega outra e glub, glub, glub. Pega um terceira e, entre glubs, estende a mão para cumprimentar Daniel sem conseguir proferir nada. Segurando outra garrafa, oferece-a, mas Daniel faz a mímica do não. Langdon pega a garrafa oferecida, e mais outra, e bebe-as juntas até o fim em segundos, atiçando a curiosidade do visitante. Vai gostar de água assim lá na..., pensou Daniel.
— Desculpe, eu acabo de tomar um caldinho de feijão um pouco apimentado, tive uma ligeira indisposição e estou com uma sêde danada! Não passa!, desculpa-se, e senta já com mais duas garrafas na mão. Vamos conversar, emenda embaraçado.
Glub, glub, glub. Langdon de tanto olhar para cima enquanto tomava as primeiras seis garrafas, já conseguia distinguir o nome do fabricante no bulbo das lâmpadas do lustre no teto, identificar a voltagem, e ler também a especificação dos Watts e o Made in. E isso com as lâmpadas apagadas.
Daniel pula as preliminares, ignora as introduções, despeja o conteúdo dos envelopes sobre a mesa, saca o notebook da mochila, espera tamborilando os dedos nervoso o login, sem sequer olhar nos olhos de Langdon. Um pouco depois digita usuário e senha, espera um pouco, espeta o pendrive na porta USB e dá alguns toques no touchpad.
— Professor Langdon, assim como o senhor, estamos em pânico, começa um nervoso Daniel. Ninguém dormiu nada esta noite lá na LinuxPlace. Nem passei lá na casa da minha noiva e ela deve estar muito P comigo agora. Celinho convocou a equipe toda para assessorar o Pedro, declarou Alerta Laranja Nível 33, coisa que nunca havia acontecido antes, e exigiu prioridade máxima nesta operação. Meu nome é Daniel Peres, sou seu fã declarado, mas não podemos e nem temos tempo a perder em formalidades. Vamos ao que interessa imediatamente. Aquela pressãozinha afegã deixou o acadêmico com a pulga atrás da orelha.
— Vamos lá, me mostre o que descobriram, diz Langdon.
Daniel, depois de girar o notebook sobre a mesa em direção do professor, passa a exibir em um slideshow feito no LibreOffice, com uma série de lâminas repletas de inconsistências e lógicas confluentes, baseadas em pesquisas exaustivas realizadas madrugada adentro, e tendo como fonte única o relato detalhado que Célio havia lhes passado por telefone. Ele começa, então, uma apresentação comentada, enquanto Langdon faz glub glub nas últimas duas garrafas de água do primeiro engradado.
— Nunca houve um técnico na carreira de Pelé de nome Kibon, Kibão ou coisa parecida. Seu primeiro técnico pode ser cogitado como sendo o Antoninho "Bigode" ou o Waldemar de Brito. Daniel dá um tapinha no touchpad para chamar o segundo slide.
— Na quadra S do Cemitério do Bonfim, ao final da rua, não há e nunca houve, a demarcação de um túmulo S41. Naquele local específico, cercado de muitas histórias misteriosas, há um terreno considerado maldito. Em 1952 a administração do cemitério assinalou o local com um "M!" vermelho na planta baixa, para indicar que o local era "Maldito Mesmo!", impróprio para receber qualquer túmulo. Uma curiosa e não esclarecida conclusão radiestésica ou, no mínimo, "bastante espírita". Coisas de Minas.
— Antigos funcionários e marmoristas do Bonfim relataram por anos que evitavam passar perto do inexistente, mas sempre onipresente S41, pois consideravam ser aquele o endereço da casa da "Loira do Bonfim", personagem FredKruguiana da mitologia de BH. Outro tapinha no touchpad, próximo slide.
— Analisamos as ampliações, feitas por nós, nas duas fotos, que passadas por centenas de interpolações de linhas via programação, puderam ter suas resoluções bastante aumentadas. Concluímos que o material daquela lápide, que o senhor tirou as fotos, era pedra sabão. A pedra sabão, típica de nossa região, é considerada "muito mole" ou, mineralogicamente falando, do tipo "B", de muita plasticidade no esculpir. Separe o "B" para mais tarde. Várias letras ganharão relevância como entidades daqui em diante, salientou Daniel. O material também tem igual importância em nossa investigação, acrescentou.
— Não havia nos sulcos da inscrição da lápide qualquer traço que indicasse se tratar de um trabalho antigo. Nossa equipe concluiu que se tratava de um trabalho recente, de alguns poucos dias, para sermos mais precisos. Tudo estava limpo demais, inclusive a sua lisa superfície. Não havia manchas, nem descolorações, nem degastes no material e nem vestígios de sujeira.
— O "K", circundado por uma roda dentada, é o famoso logotipo de uma ambiente gráfico de Linux conhecido por KDE. Óbvio demais, mas pode muito bem, e provavelmente é, ser um disfarce criptográfico. Talvez indique outro alfabeto, ou como chamamos em computação, uma mudança de base. Logo desaguaremos nosso raciocínio em uma outra linguagem, de origem micênica: Linear B.
Esse comentário do Daniel transtornou o professor, que já pegava outras garrafinhas de água do segundo engradado. (Quando ele usou "desaguaremos" então... Esse Daniel é um sadô-masô que quer me torturar. Glub do Langdon. Um Langdon não desiste jamais!).
— S41, a demarcação do túmulo inexistente, mais a cronologia inversa, 1840-1726, parecem indicar um anagrama sobre um número de telefone. Pesquisamos na lista das cidades do estado do Paraná, região do prefixo 41, quais teriam a inicial S. Encontramos uma única, São José dos Pinhais. Somando os dois primeiros algarismos das duas datas obtemos: (41) 9840-8726, um celular.
— O (41) 9840-8726 é atendido por uma gravação eletrônica: Bom dia, Funerária Atenea, disque 1 para...
— "Mitologia Grega" era o título do slide seguinte. Poseidon disputou a posse das terras do que conhecemos hoje por Atenas, com Atenea. Poseidon bateu com seu tridente e fez brotar um cavalo forte e belo. Atenea, por sua vez, trouxe um ramo de oliveira, cujo óleo iluminaria a noite, suavizaria as dores dos feridos e, ainda, forneceria alimento aos homens. Na disputa, Atenea levou as terras e batizou-a Atenas.
— A história atribue a Atenea a origem do Azeite. Já na Bíblia o Azeite é o símbolo do Espírito Santo. Apenas a título de curiosidade, entre os judeus o Azeite simboliza "O Cicatrizador", o que reestabelece o equilíbrio dos princípios feminino e masculino. Mas que, segundo suas tradições, nunca poderia ser usado com os mortos. Para estes é pecado inscrever esta palavra em uma lápide.
— Pé-Pé-Pé-raí! Gritou Langdon, interrompendo o slideshow do Daniel. Com uma última garrafa de água na mão esquerda e o dedo indicador da mão direita em riste, proclama:
— É muita informação para uns poucos minutos! Vamos dar um tempo! Não quero passar por um bronco insensível mas preciso de um tempo para pensar...
Robert baixou o tom da voz, argumentou mais uns quatro motivos para a interrupção e disse:
— Daniel, eu agradeço muitíssimo a sua colaboração, a de todos os seus colegas e, principalmente o apoio que o Celinho me tem dado. Admito que dependo de sua valiosa colaboração. Mas esse seu lugar, não me entenda mal, mexe com a cabeba das pessoas. Espero que entenda... Vamos falar de coisas mais amenas. Preciso de um tempo para deglutir tantas divagações! Aqui estou até conversando com cachorros... Vamos continuar amanhã, OK?
Daniel, de bate pronto, pergunta: Cê num tá falando do Faísca, né? Nós treinamos ele, é gente como a gente. Mr. Langdon, o senhor não gosta dos bichin?
— Daniel, me dê algumas horas, por favor. Podemos nos encontrar amanhã?
Selinho no Daniel e novo encontro marcado para o dia seguinte. Antes do Goodnight Cinderela, Daniel entrega a pesada sacola com os misteriosos embrulhos, presentes da mãe do Celinho, e despede-se. Parecia feliz em partir e ir ao encontro da Megera Ainda Não Domada Numa Noite de Verão...
To be continued...
Sou Linux desde criancinha. Foi meu amigo Rodney, creio em 1998, que me botou no barco quando me deu um curso de um minuto e meio de VIM mostrando como entrar, editar, salvar e sair. Em seguida me apresentou o MAN dizendo: Te vira, tá tudo aÃ, dá um Q para sair e um mc para passear. Então virou as costas e foi embora. Anos depois meu grande amigo, o abominável Júlio das Neves, o Papai do Shell, me deu de presente um curso profissional de Shell Script em uma caverna do Afeganistão. Nesse meio tempo li o livro Unix Text Processing, igualmente marcante. Agradeço aos amigos Rodney, Júlio, Rodrigo, CelinhoPlace, Aurélio2txt, Henrique, Red Alexandre, Queiroz e famÃlia, os Brod, Lucas da Óxenti, Sulamita, Roxo, K_Helinho, Renato, Edson Perl, os 4Linux e também os Solis, o grande Mr. Lutkus, Orlando Nipo, e tantos outros que conheci através da finada Revista do Linux, empreita que tenho orgulho de ter participado. A lista é longa demais mas preciso dar um << EOF.
Trabalho com jornalismo de informática, direta e indiretamente, há anos. Fiz alguns prefácios de livros de amigos nos últimos anos os quais referencio como sendo o núcleo de uma organização clandestina a quem pessoalmente chamo de a "turma do MAN Salão". Punto, já falei demais. O resto, nem sob tortura.