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Tem papel na impressora? (Parte 1)

Por Franklin Carvalho

Data de Publicação: 18 de Setembro de 2013

O editor "joe", um clone do finado WordStar, é um vício antigo que mantenho desde o meu primeiro MSX em 40 colunas e depois em meu primeiro PC em 80 colunas. Mas este não é meu editor preferido. Trato-o mais como uma furadeira, ou um alicate. É prático, é muito eficiente, faz tudo o que eu quero, e sei repetir todos os Control K isso e Control K aquilo, mesmo sonâmbulo.

Quando tudo virou gráfico e a Web florescia, creio em 1995, pude conhecer a versão 4 do Netscape, rebatizado como a suíte Netscape Communicator. Eu já era Netscape desde criancinha e aguardava um novo release. Fora o browser, surgiam um cliente de email e mais duas novidades; o editor HTML Composer e a linguagem JavaScript, a qual trazia embutida a promessa futura de rodar as aplicações na tela do browser. Merecia o título de suíte de Internet.

A Javascript ainda era um assunto geek, uma promessa restrita a um grupo bem diminuto de programadores, mas que decidiam, então, os rumos da florescente Internet. Panorama muito diverso do que vemos hoje nos Google Docs da vida.

Aquilo foi o início da pior guerra entre as duas empresas que disputavam a hegemonia tecnológica: Microsoft x Netscape. Em quatro anos a moribunda Netscape não aguentava mais a desleal avalanche monopolista e preparava o seu próprio esquife. Perder para o Internet Explorer era como imaginar o Barcelona lutando para se manter na quinta divisão do campeonato vietnamita, but... era kill -9 de tudo quanto é lado para cima da Netscape.

Enquanto a Netscape morria, eu me agarrava no Composer. O HTML me atingiu de modo certeiro. Eu me recusava a usar qualquer editor de uma suíte Office com aqueles formatos absolutamente estúpidos. No HTML não havia formato de página, divisa de páginas, margens, preview de impressão, fonte combinando com a Melissinha, etc. O foco deixava de ser a página impressa e libertava o conteúdo para um formato aberto.

Não conheci nada mais ignorante que ficar controlando linhas orfãs e viúvas de um documento de trinta páginas feitos por terceiros para obter, invariavel e morosamente, uma impressão amadora. O resultado era sempre sofrível, e o que é pior, nada mudou nos doc's da vida até hoje. Quanto tempo perdido nos estúpidos processadores de textos à la Word, Quando usei o Composer pela primeira vez, dava vontade de bater a cabeça na pia.

O HTML era um mundo novo em que os arquivos não eram mais locais, eram universais. Hiperlinks, anchors, frames, imagens carregadas de máquinas remotas, gif's animados, tabelas redimensionáveis, ftp, sons de fundo, e uma economia absurda no tamanho dos arquivos em bytes. O Markup do HTML era matador. Aquilo sim, podia ser chamado de Rich Format,

A Netscape não morreria sem uma vingancinha básica para poder provar que suas promessas se concretizariam: entregou, de pirraça, o código do Netscape para uma gangue da Web, os Mozilla's. Como essa turma considerou que o código era mal escrito resolveram reescrever do zero. Ducha de água fria.

Demorou até aparecem versões estáveis do Mozilla, e que resultaram num fork para o Firefox e o Thunderbird, no final. Para não matar de vez a herança da suíte presenteada resolveram, talvez por vergonha, manter o projeto Seamonkey para ser o "fork dos que não fazem fork". Isso manteve vivo o Composer e seus antigos usuários.

Qualquer um poderia me lembrar que qualquer processador de textos hoje faz edição html com um grau de sofisticação bem maior que um simplório editor como esse, mas isso não acontece dentro da tela do browser, o que abre um fosso gigantesco de percepção da revolução anunciada pelo Netscape: toda aplicação irá rodar na tela do browser. No dia que o processador de texto executar nativamente JavaScript êle terá se transformado em um browser e abandonado sua vocação desktop.

Os ebooks que se popularizam hoje nos smartphones e tablets são html puro, ou melhor, são xhtml, e abalam os pilares da indústria das editoras de livros, da mídia impressa mainstream, dos tradicionais veículos formadores de opinião, e do maledeto PDF. É impossível não notar sua importância. Eles são o caldo resultante da competição entre editores e processadores de texto ao longo dos anos para gerar documentos inteligentes e em formato "universal".

Presencio diariamente aquelas discussões sonolentas de que "nada substituirá o livro", o prazer do "folhear", e me lembro dos ferrenhos defensores das máquinas de datilografia, das perfeitas margaridas IBM, do prazer de bater nas teclas halterofilistas e aquele temor insano pelo ruir dos ofícios tradicionais frente ao emergente surgimento dos microcomputadores. Já naquela época, até os ditos conservadores esclarecidos, queriam avaliar melhor o que poderia ser um avanço ou um simples modismo.

Nossos filhos e netos usam hoje Kindle's. Kobo's, S3, S4, Android, iPhone, tablets, SMS's, câmeras digitais, o que talvez nos faça refletir um pouco sobre a indústria predadora do papel. Pouco antes dessa nova geração surgir o Aurélio Jargas já tinha escrito o txt2tags, prenúncio auspicioso do que estava por vir.

Para um autor publicar um livro nessa estrutura medieval dos nossos dias, ele terá que ser próximo ou, ao menos, ter acesso a um editor. Quando muito, como quando a sorte lhe sorri, passará por um duvidoso funil social para conseguir atrair sua atenção e acordar uma tiragem de 3.000 exemplares.

Terão muito trabalho à frente e a produção gráfica será cara e demorada. A distribuição, então, será uma batalha física. E o resultado, via de regra, costuma gerar encalhes depois de uma noite de autógrafos entre os amigos próximos. Só há o olhar para a literatura "garantida", a que se vende fácil, evitam-se dessa maneira os Van Gogh's e correlatos.

Do outro lado, o editor precisa "correr a maratona" para pagar ao autor os minguados e confusos "seis ou três por cento" finais, e ainda obter lucro. Entre cinco fracassos editoriais haverá um triunfo. Convenhamos, não vale o fotolito (lembram do termo?), as tintas, o papel e nem o PDF das Adobes da vida.

Já os ebooks, de produção gráfica e copydesks domésticos, antecipam um modêlo fifty-fifty bem mais interessante, bem menos cansativo, e distribuído em escala bem mais aumentada.

Claro que um eclipse solar, um P.E.M. inesperado, ou um tsunami joaquimbarbósico, podem vir a nos subtrair a eletricidade tão necessária à nossa sobrevivência de um momento para outro, mas a tendência mais provável é que haja uma mudança sem precedentes na forma de se distribuir livros no mundo digital.

Gostaria de mostrar, para os que ainda não conhecem, o editor de ebooks Sigil, na segunda parte deste artigo. Façamos um passo a passo para produzir um epub. Até mais.

Sobre o autor

Sou Linux desde criancinha. Foi meu amigo Rodney, creio em 1998, que me botou no barco quando me deu um curso de um minuto e meio de VIM mostrando como entrar, editar, salvar e sair. Em seguida me apresentou o MAN dizendo: Te vira, tá tudo aí, dá um Q para sair e um mc para passear. Então virou as costas e foi embora. Anos depois meu grande amigo, o abominável Júlio das Neves, o Papai do Shell, me deu de presente um curso profissional de Shell Script em uma caverna do Afeganistão. Nesse meio tempo li o livro Unix Text Processing, igualmente marcante. Agradeço aos amigos Rodney, Júlio, Rodrigo, CelinhoPlace, Aurélio2txt, Henrique, Red Alexandre, Queiroz e família, os Brod, Lucas da Óxenti, Sulamita, Roxo, K_Helinho, Renato, Edson Perl, os 4Linux e também os Solis, o grande Mr. Lutkus, Orlando Nipo, e tantos outros que conheci através da finada Revista do Linux, empreita que tenho orgulho de ter participado. A lista é longa demais mas preciso dar um << EOF.

Trabalho com jornalismo de informática, direta e indiretamente, há anos. Fiz alguns prefácios de livros de amigos nos últimos anos os quais referencio como sendo o núcleo de uma organização clandestina a quem pessoalmente chamo de a "turma do MAN Salão". Punto, já falei demais. O resto, nem sob tortura.

Veja a relação completa dos artigos desta coluna