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Por Frederick Montero
Data de Publicação: 29 de Janeiro de 2007
Uma das minhas lembranças mais antigas de quando era criança era a de ter olhado para o céu e haver visto uma infinidades de estrelas naquela imensidão negra lá no alto. Naquele instante, pensei comigo o que seriam aquelas estrelas? E a partir daquele momento, nunca mais parei de questionar a respeito de todos os aspectos do mundo que me cerca. Hoje em dia, eu olho para o céu e tenho saudades de ver tantas estrelas quantas eu lembrava que haviam na minha infância, porque as luzes das cidades ofuscam a pequena luz das estrelas.
Eventualmente, alguém que venha a ler os antigos artigos desta coluna pode pensar que nutro uma desconfiança gigantesca em relação aos benefícios que a tecnologia oferece à sociedade e aos indivíduos, mais especificamente na sua forma mais difundida atualmente que é a informática. Nesses artigos já discuti sobre o acúmulo sem critérios de conhecimento, o estresse causado pela necessidade desenfreada de informação ou pela crescente restrição à privacidade, entre outros temas, sempre tendo como centro das discussões o mundo da informática. Na prática, para mim seria muito fácil escrever sobre novas tecnologias que prometem milagres revolucionários na nossa vida cotidiana. Mas com o tempo, qualquer um que acompanha a evolução computacional sabe que o milagre de hoje é logo superado pelo milagre da próxima semana e que as verdadeiras revoluções se fazem invisíveis aos olhos do presente. Também seria fácil vociferar críticas ácidas contra qualquer empresa de informática a respeito de quaisquer miudezas ou sobre o modo como esta ou aquela tecnologia é empregada. Porém, apesar de escrever sobre tecnologia, sempre procurei manter o meu foco sobre o ser humano, suas qualidades e seus defeitos. E assim, buscando manter o ser humano como o centro das minhas preocupações quando abordo assuntos relacionados à tecnologia, imagino a informática tão somente como uma das inúmeras faces da complexa estrutura cultural da humanidade.
Com o tempo percebi que, conforme a informática pouco a pouco se impregna no dia-a-dia das pessoas, seu papel na estrutura social, profissional e afetiva dos indivíduos deixa de ser meramente de coadjuvante, para tornar-se de protagonista e, portanto, ela vem conquistando uma ligação estreita entre o indivíduo e o seu modo de perceber o mundo. Neste sentido, a informática passa a funcionar como uma lupa de aumento sobre as características humanas, ampliando suas necessidades, apreensões, dúvidas, alegrias, esperanças e tristezas. Ao contrário do que podemos supor, a informatização de nossas vidas em si não é nem ruim, nem boa, mas o que era para ser uma simples ferramenta, a partir do momento em que se torna parte indissolúvel do que somos, deixa nossas individualidades e particularidades mais sensíveis e perceptíveis, sejam elas boas ou ruins. Pois se um indivíduo tem o espírito ansioso e nervoso, não há nada pior do que a internet para criar uma compulsão desenfreada por novidades, notícias dos amigos, informação, entre outros exemplos que eu poderia citar. Por outro lado, se uma pessoa tem bom-senso no uso adequado das ferramentas que os computadores e a informática lhe disponibilizam, esta pessoa apenas tem a ganhar profissionalmente e socialmente.
E o mesmo princípio se aplica para toda uma comunidade. Se uma sociedade tende a ser burocrática e mesquinha, a informática tornará ainda mais inacessível o acesso dos cidadãos aos seus direitos fundamentais. Por outro lado, se esta sociedade tem por princípio o respeito ao ser humano, a informática será uma extensão desta preocupação ao ajudar a cuidar do próximo e velar por seus cidadãos. A tecnologia não opera milagres em nossas vidas se não encontra terreno fértil para germinar.
Portanto, ao escrever a respeito do universo da tecnologia, busco alertar para as armadilhas que se escondem em suas encruzilhadas, procurando atingir os verdadeiros perigos cujas causas se encontram incrustadas na própria natureza humana ou na forma como mantemos nossas sociedades. Ou talvez eu escreva para mim mesmo, procurando as armadilhas que podem se encontrar dentro de mim e nunca perdendo a esperança de reencontrar as estrelas que andavam escondidas pela luz da tecnologia.
Frederick Montero, diretor, produtor e editor de vídeo. Formado em Filosofia pela Unicamp, é diretor do vídeo Supermegalooping, premiado no Primeiro Festival de Vídeos pela Internet. Mantém o blog sobre mídias digitais d1Tempo Digital.
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