você está aqui: Home → Colunistas → Filosofia Digital
Por Frederick Montero
Data de Publicação: 05 de Fevereiro de 2007
Nem bem 2007 começou e já somos brindados com novidades que prometem movimentar o resto do ano na área de informática. A novidade deste mês, porque mês sem duas ou três novidades não tem graça para jornais e blogs, é o lançamento de um telefone celular pela Apple, Inc. Até aí, esta novidade não possui nada de extraordinário além do simples fato de vermos a empresa entrar no segmento de telefonia móvel, com um aparelho caro, como era de se esperar, e que segundo suas perspectivas promete revolucionar o mercado de celulares. Megalomania à parte, o aparelho em si não parece ter nada de revolucionário. Pelo contrário, se em alguns casos acumula surpresas, em outros acumula decepções, mas como é comum em todos os produtos que fabrica, o telefone cativa as atenções de toda a mídia, da especializada a leiga. Por quê? Porque hoje em dia é difícil imaginar uma interface entre ser humano e máquina na área de informática que não tenha a influência direta da Apple. O modo como interagimos com nossos computadores, palmtops ou reprodutores portáteis de mp3 tem sempre como herança modelos amplamente imitados pelo mercado que são derivados de projetos inventados ou aprimorados pela companhia da maçã. O motivo está na sua capacidade de criar ou recriar o óbvio ao pensar esses modelos sempre do ponto-de-vista do ser humano e não da máquina. Conforme a análise que Bruce Tognazzini, do site Asktog fez do iPhone:
o importante é que, pela primeira vez, várias grandes idéias e processos foram unidos em um único aparelho (...) e colocados à disposição de seres humanos normais.
Mas mesmo com toda a sua capacidade para definir padrões, a Apple perde a primazia no mercado de sistemas operacionais que é dominado por um sistema que reproduz muitos dos conceitos gerados por ela. Isso representa um fracasso? Não se pensarmos que a Apple, mesmo com ínfimos 3% das vendas mundiais de computadores, é referência no modo de se fazer uma interface gráfica. Ou seja, amanhã todos que usam computadores, ou outros aparelhos tecnológicos, estarão se habituando às soluções que ela apresenta hoje, como no caso do iPhone.
Isso me lembra que ano passado foi divulgada uma pesquisa na qual se observou que 70% dos consumidores que compravam um computador através do programa de incentivo promovido pelo governo federal migravam do sistema Linux, obrigatório em todos os computadores, para o sistema Windows. As razões para a mudança podem ser múltiplas, mas geralmente as pessoas tendem a procurar o conforto de usar um sistema com o qual já estão habituadas, recorrendo às cópias piratas do Windows.
As pessoas buscam no computador o óbvio ao qual já estão habituadas a trabalhar. E as distribuições Linux procuram satisfazer esse desejo e, de certo modo, imitam o óbvio da Microsoft, como se a falta de familiaridade pudesse ser suprida pelo simples mimetismo do Windows. Mas ao invés de criarem uma experiência familiar para o usuário de computador, acabam causando um estranhamento que os afasta daquela distribuição antes mesmo de saber se existem mais opções. Por quê? Porque não encontram o que querem exatamente onde acham que deveria estar ou as coisas no computador não funcionam exatamente como as pessoas acham que deveria, mesmo que visualmente os dois sistemas operacionais sejam muito parecidos. Por mais que as distribuições Linux tentem se assemelhar ao Windows, elas nunca serão como o Windows. E o usuário final de computadores percebe esta diferença.
-Se isso não funciona como no Windows, porque então precisa se parecer com o Windows, pergunta-se o usuário.
E a resposta é que as distribuições Linux não têm que se parecer com o Windows. Simplesmente porque lembra o sistema operacional mais utilizado no mundo, qualquer distribuição Linux reforça ainda mais a idéia de que o Windows é de fato o sistema a ser utilizado. Então o usuário troca a cópia pelo original e 70% dos consumidores de um computador com Linux abandonam o sistema.
A idéia que tento demonstrar é que não basta vender computadores com uma distribuição Linux no estilo ?vender gato por lebre?, acreditando que o consumidor não irá sentir diferença em usar Linux ao invés de Windows. Ao contrário, o Linux, enquanto comunidade ou opção comercial para fabricantes de computadores, precisa investir em um modo próprio de ser que atinja o público leigo, que não possui interesse algum em detalhes técnicos complicados e enfadonhos a respeito de liberdade de escolha, segurança e confiabilidade. Se esses três itens juntos são o ponto forte do sistema operacional, é imprescindível que a comunidade de desenvolvedores comece a pensar na interface do Linux com o usuário final de modo único, criativo e original, de modo que seja possível identificar prontamente as suas diferenças com relação aos demais sistemas. O Linux precisa recriar o óbvio à sua maneira, se deseja encontrar um espaço em alguma parcela dos computadores nas casas e empresas de milhares de pessoas pelo país ou pelo mundo.
Frederick Montero, diretor, produtor e editor de vídeo. Formado em Filosofia pela Unicamp, é diretor do vídeo Supermegalooping, premiado no Primeiro Festival de Vídeos pela Internet. Mantém o blog sobre mídias digitais d1Tempo Digital.
Para se manter atualizado sobre as novidades desta coluna, consulte sempre o newsfeed RSS
Para saber mais sobre RSS, leia o artigo O Padrão RSS - A luz no fim do túnel.