você está aqui: Home  → Colunistas  →  Filosofia Digital

A Ética e A Moral dos Robôs

Por Frederick Montero

Data de Publicação: 31 de Maio de 2007

A história do século XX representa uma virada de perspectiva moral na evolução do pensamento humano. Durante os últimos milênios, o ideal grego do legítimo representante político, isto é, quem de fato tinha o direito de voz perante a sociedade, era ditado pela tríade homem, branco e adulto. Mas no último século, uma rápida revolução reverteu os pilares até então intocáveis desta moral milenar ao obrigar a sociedade a dar ouvidos aos excluídos da tríade (as mulheres, os jovens e as pessoas com distintos tons de pele) e também a lhes conceder o direito de representação nas decisões sobre os destinos da humanidade. O ponto de partida desta revolução foi a essencial libertação das mulheres, jovens e não-brancos do estigma aristotélico de meros objetos e da simples redução ao patamar de coisas, para alcançar o verdadeiro status de seres humanos, que os homens brancos adultos gozavam com exclusividade, no ocidente.

Quem se dedicar a pesquisar a história das relações humanas perceberá que, com algumas variações de umas épocas para outras, as mulheres e os não-brancos, em especial os negros, eram considerados apenas como objetos animados, pertencentes ao patrimônio de um cidadão (homem branco adulto) e mais valiosos, mas ainda assim comparáveis, que os objetos inanimados da casa, como cadeiras e mesas, e outros objetos animados que serviam o lar, como cachorros, vacas e porcos. A superação deste fatídico destino deveu-se a uma forte demonstração da autonomia intelectual e criativa dos excluídos contra a soberania dos agraciados pela tríade durante o século XX.

Na década de 1980, um dos principais filmes do período narrava a saga de andróides em busca do seu criador, para reverter a armadilha cibernética que os condenava a uma curta existência de apenas oito anos e depois ao rápido aniquilamento. Blade Runner, assim como nenhum outro filme, representou figurativamente de modo extremamente poético a nossa eterna busca por Deus, na esperança de evitarmos a inevitável finitude de nossas vidas e memórias. Mas em um paralelismo surpreendente, nós éramos o deus-criador e os andróides, as criaturas na odisséia para preservar alguns dos principais aspectos que nos distingue dos animais, os sentimentos e aprendizagens nascidos de nossas memórias. Porém, ao invés de um sentimento de empatia pela causa das criaturas, a reação dos seres humanos à rebelião dos andróides é aniquilar qualquer característica que os elevem da condição de máquinas a nosso serviço para a de seres iguais à nossa imagem e semelhança.

A informática, a robótica e a cibernética ainda se encontram nos primórdios de sua evolução, executando tarefas que por mais complexas que possam parecer são pré-programadas dentro de limites restritos da sua base de códigos de programação. Do mesmo modo, os seres vivos há milhares de anos não passavam de simples estruturas moleculares, que respondiam aos estímulos externos com reações imediatas e limitadas, direcionadas pela sua base genética. Mas os organismos vivos evoluíram com o tempo até derivarem nos seres humanos, criaturas capazes de respostas complexas e ilimitadas, que partem não apenas dos seus genes, como também de grandes impulsos culturais e da experiência ao longo da vida. Na visão do filósofo francês Henri Bérgson, que propôs uma revolução darwiniana no modo como compreendemos a cognição e o entendimento, o nosso conjunto de percepções e reações aos estímulos oriundos a partir destas percepções e esse mesmo conjunto de percepções e reações entre as várias criaturas do reino animal distingue-se somente por diferentes graus de complexidade e não por pertencerem a gêneros completamente separados. Ou seja, a nossa inteligência é apenas uma forma mais complexa de reagir aos estímulos que invadem nossas percepções e que tem a mesma origem nos atos instintivos dos animais ou dos organismos mais simples da natureza. A pura reação mecânica dos impulsivos de uma simples ameba e as extensas redes de raciocínios lógicos do entendimento humano são lados opostos de uma mesma trilha, com inúmeros graus entre um e outro de possíveis reações aos fenômenos do mundo. O que vemos agora, no início deste século XXI é o desenvolvimento de computadores e robôs que respondem aos estímulos de forma tão imediata e mecânica quanto à resposta dos minúsculos organismos microscópicos a um simples toque sobre suas superfícies, reagindo instintivamente em direção da origem deste contato. Ou também da mesma forma como agimos ao girar uma maçaneta para abrir a porta ou proteger o rosto com as mãos diante de algum perigo imediato, exemplificando com ações humanas tipos de respostas automáticas a estímulos sensoriais.

Imaginando que o avanço das técnicas para construir robôs e cérebros eletrônicos seguirá uma evolução semelhante ao dos seres vivos, é possível crer que as máquinas serão desenvolvidas paulatinamente para recolher os estímulos exteriores e processá-los em uma rede de memórias e outras informações sensoriais e afetivas (entendo por estas palavras todos os estímulos internos, como dor, fome, cansaço, prazer, alegria e outros tantos assim) tão complexa que chegaremos ao ponto no qual os seres eletrônicos se equivalerão em termos de consciência e entendimento aos seres humanos. Então quando as máquinas nos enfrentarem eticamente contra, digamos, uma possível lei da robótica como as formuladas por Issac Asimov (em especial a segunda), a questão primordial que deveremos enfrentar é se por trás da famosa tríade clássica não havia mais um elemento oculto que excluía os não-humanos ao direito de independência física e espiritual. Diante deste dilema, nós nos veríamos obrigados a nos perguntar sobre o porquê de dependermos tanto de subjugar a outros, a ponto de criarmos criaturas inteligentes o bastante para realizarem a maioria das tarefas que nos caberiam realizar com nossas próprias mãos.

Referências

Sobre o autor

Frederick Montero, diretor, produtor e editor de vídeo. Formado em Filosofia pela Unicamp, é diretor do vídeo Supermegalooping, premiado no Primeiro Festival de Vídeos pela Internet. Mantém o blog sobre mídias digitais d1Tempo Digital.


Para se manter atualizado sobre as novidades desta coluna, consulte sempre o newsfeed RSS

Educação e Tecnologia:     >>NewsFeed RSS

Para saber mais sobre RSS, leia o artigo O Padrão RSS - A luz no fim do túnel.

Recomende este artigo nas redes sociais

 

 

Veja a relação completa dos artigos de Cesar Brod