você está aqui: Home → Colunistas → Filosofia Digital
Por Frederick Montero
Data de Publicação: 14 de Novembro de 2007
Predições são atos traiçoeiros. De minha parte, eu costumo desconfiar de textos que usem a expressão "o futuro do... ou da...". Quem tem o hábito de utilizar estas expressões geralmente incorre apenas em um grande palpite baseado em extrapolações de ferramentas e costumes que começam a se popularizar no seu dia-a-dia. Ou seja, nada mais é do que imaginar a tendência de popularização de uma manifestação cultural, a ponto dela abandonar o seu nicho específico e restrito no qual foi criada para transformar-se em um ato ou objeto corriqueiro e banal. Aqueles que acompanham atentamente as mudanças introduzidas pela internet na forma como lidamos com os produtos culturais de massa, como a televisão, o cinema e a música, percebem que não há muito mistério no "futuro da mídia digital" e nem é preciso muito exercício de futurologia para imaginar quais as transformações que podemos esperar nesta área, em relação a produtos, hábitos e métodos de distribuição e transmissão dessas mídias.
O cenário atual demonstra que caminhamos para uma fragmentação cada vez maior na oferta de conteúdos midiáticos. As pessoas não esperam mais grandes eventos especiais, como o tão aguardado disco de uma banda de rock ou o último filme de um determinado herói, como se este fosse o grande acontecimento de suas vidas, a não ser que esse público pertença a um grupo restrito de fãs incondicionais, como os fãs de Star Wars. O disco, o filme, o livro, do ano irá gradativamente ceder lugar a um leque gigantesco de ofertas direcionadas especificamente para pequenas parcelas da população, que consumirão cada lançamento de um determinado produto cultural ou de produtos culturais com características muito semelhantes entre si. Estas pessoas determinarão as características essenciais do modo como serão lidadas as mídias digitais, porque serão devoradores vorazes de conteúdos midiáticos. Elas não se satisfarão apenas com o último capítulo de um seriado ou com o último lançamento de seu artista favorito, mas procurarão consumir ininterruptamente qualquer oferta de vídeo, texto ou música que gire em torno dos seus temas prediletos. Estas pessoas, por pressão da sua necessidade em colecionar e apreciar uma grande quantidade de conteúdos, conduzirão a revolução na maneira como esses conteúdos são distribuídos, armazenados e contemplados, porque elas não apenas buscarão consumir esses produtos, como desejarão que estes façam parte significativa de suas vidas, sempre ao alcance de um clique de botão, em qualquer momento de folga nas suas rotinas diárias. Ainda que os fãs incondicionais não sejam o único público-alvo possível das produtoras, editoras e gravadoras, eles são uma fonte de demanda certeira e tranquila para muitos produtos e eventos culturais.
O que a indústria cultural mundial ainda não percebeu é que se por um lado os fãs de um segmento cultural, como os trekkers, lhes geram uma garantia de receita, por outro lado, o crescimento deste fenômeno segmenta cada vez mais a audiência, criando nichos de conteúdo que dividem o público em pequenas parcelas. Isso contraria os princípios com os quais os grandes produtores culturais já estão acostumados; o de criar fenômenos gigantescos e populares, para aproveitar ao máximo as despesas de produção e marketing, gerando uma grande receita com poucos conteúdos. Com o advento da internet, a indústria cultural mundial foi sacudida por uma série de instrumentos e circunstâncias que minaram o esquema de padronização midiática. A troca de músicas através de rede P2P, com o surgimento do Napster, permitiu o acesso fácil e gratuito aos sucessos do momento. Quanto mais popular uma música, maiores são as chances dela ser encontrada na Internet distribuída gratuitamente. Nessa atmosfera de troca de arquivos pela internet, o tamanho da pirataria é proporcional à popularidade do conteúdo pirateado, o que representa uma faca de dois gumes para as grandes empresas produtoras de blockbusters.
A grande dificuldade dessas empresas é conceber a idéia de que seu material possa estar circulando gratuitamente pela população mais do que o fato de estarem perdendo dinheiro com o fenômeno. Na verdade, após um período na década de 90, com o auge da ânsia seguida pela novidade que representavam as redes P2P, no qual se poderia argumentar que as gravadoras musicais perderam alguma fatia de seus lucros com a pirataria, o que se percebe atualmente é que a troca de mídias digitais até contribui para aumentar a necessidade da população consumir mais músicas, filmes e livros. Começamos a vivenciar uma inversão descomunal de papéis, nos quais antigamente as vendas dos blockbusters financiavam as pequenas produções. Anteriormente, um Star Wars financiava a realização de vários diretores independentes ou de público restrito, como Gus Van Saint ou Woddy Allen. Mas as atuais tendências trazidas pela nova economia demonstram que muitas vezes a venda de pequenas quantidades de diversos produtos superam a venda de poucos produtos de grandes vendas. Esta é a bem sucedida estratégia da Amazon, proporcionar a facilidade de compra de qualquer produto por mais obscuro que ele seja e com isso ganhar em volume de vendas de todos os produtos obscuros e de público restrito. Então é possível imaginar com facilidade a situação futura na qual seja tolerada uma certa distribuição gratuita de grandes sucessos para ajudar a alimentar a sede dos consumidores por mais conteúdos. Mas conteúdos de pequeno porte que, apesar de individualmente representarem um volume de vendas pequeno, somados em grande quantidade, rendem o suficiente para se sustentarem e sustentarem os campeões de audiência.
Recentemente, a banda de rock Radiohead ofertou o seu mais novo álbum para os fãs através da internet, com a regalia de optar pelo valor que estes desejam pagar pelo disco. Após algumas semanas da experiência, o que se constatou era que mais de 60% dos internautas decidiram por pagar o valor de zero dólares (U$0,00). O resultado, que poderia levar qualquer um a pensar no fracasso da iniciativa, na verdade esconde outros dados por trás desta estatística. Na média, o grupo Radiohead ganhou o equivalente a U$5,00 por disco baixado (pouco mais de U$8,00 em média nos EUA e um pouco além de U$4,00 no resto do mundo). Para uma banda em regime de produção independente, isso pode significar um grande retorno financeiro, já que os valores serão contabilizados diretamente para a banda e não divididos ainda entre a gravadora, as distribuidoras e as lojas de discos. Sem dúvida nenhum que neste caso estamos nos referindo a um conjunto já consagrado e bem conhecido nos meios de comunicação, mas ainda assim o fato demonstra que os artistas podem acreditar no seu sustento a partir de um modelo não baseado na pura mercantilização de suas obras, mas na confiança em seus fãs e na admiração destes pelo trabalho dos seus artistas preferidos. É como separar os verdadeiros admiradores de um artista daqueles que apenas estão interessados em uma relação passageira e supérflua com determinadas obras de vários artistas.
Este é um cenário um tanto quanto utópico, os artistas sendo sustentados pela boa vontade dos fãs ardorosos. O cerne da questão não está no ideal samaritano do artista que não se vende pela sua obra, mas sim no aproveitamento do marketing viral que a internet e os meios de comunicação no século XXI permitem. A troca de arquivos digitais não é o bandido na história, até porque desde a época das fitas-cassetes as pessoas trocam entre si as músicas que adquirem legalmente. Ela é apenas o sintoma de um desejo crescente do mercado consumidor de adquirir novidades e ter acesso a maior quantidade possível de conteúdo multimidiático. E não apenas isso.
O consumidor de filmes, vídeos, músicas e livros não enxergam valor agregado nos produtos que usufruem. Na maioria dos casos, as pessoas acreditam que esses produtos devem ser aproveitados gratuitamente, porque elas só imaginam que objetos materiais possam ser adquiridos com dinheiro. Este é o motivo da principal disputa das gravadoras de música e dos canais de televisão americanos com a iTunes Store. Os consumidores da era iPod enxergam valor nos aparelhos de mp3 e no tempo que economizam na internet ao adquirir as músicas e os vídeos através da loja, ao invés das redes P2P, porém minimizam o valor dos conteúdos midiáticos que enchem seus reprodutores portáteis de mídia e as centrais de mídia digital. Quando os filmes e as músicas se libertaram do seus meios físicos, que eram o vinil, os CDs, as fitas-cassetes e os DVDs, junto perderam o seu valor perante a opinião pública.
O nó que as gravadoras e produtoras precisam desatar agora é como lucrar em um mundo onde os consumidores não vêem valor nos produtos que elas vendem. Talvez a solução esteja em obter retorno financeiro através de produtos correlacionados ou na ânsia de determinados grupos que desejam alguns desses produtos a tal ponto que estão dispostos a pagar qualquer preço pela comodidade de recebê-los em primeira mão ou para ter a garantia de encontrá-los à disposição, mesmo que não sejam artigos populares e facilmente encontráveis em redes P2P. Ainda que haja perda de receita nos produtos populares, na média, com os produtos de público restrito, as empresas do meio artístico e os artistas poderiam contar com a inércia de um mercado consumidor ávido por novidades.
Frederick Montero, diretor, produtor e editor de vídeo. Formado em Filosofia pela Unicamp, é diretor do vídeo Supermegalooping, premiado no Primeiro Festival de Vídeos pela Internet. Mantém o blog sobre mídias digitais d1Tempo Digital.
Para se manter atualizado sobre as novidades desta coluna, consulte sempre o newsfeed RSS
Para saber mais sobre RSS, leia o artigo O Padrão RSS - A luz no fim do túnel.