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Qual o segredo da Apple?

Por Frederick Montero

Data de Publicação: 27 de Março de 2008

Para quem costuma acompanhar os artigos desta coluna a respeito de mídia digital já deve ter reparado que cito constantemente exemplos de ferramentas e soluções desenvolvidas pela Apple nos últimos anos. Eu trabalho na área de produção de vídeos e tento acompanhar de perto os caminhos que conduzem ao futuro da distribuição de filmes e vídeos. Do mesmo modo como na época na qual o DVD ainda era uma promessa distante, porém vista como inevitável e revolucionária, hoje em dia é difícil discutir o assunto mídia digital sem citar a busca da Apple por construir um novo mercado para o entretenimento doméstico. Sem sombra de dúvida que as mídias em Blu-Ray ainda saciarão a sede dos consumidores por novidades que ampliem a experiência proporcionada pelos filmes vistos em casa, mas inevitavelmente o futuro está reservado para as mídias digitais livres de qualquer suporte físico. Por quê? Bem basta pensarmos um pouco a respeito das recentes declarações do presidente do grupo Universal Music, Doug Morris, a respeito dos planos da sua companhia para um serviço de "aluguel" de músicas.

Segundo Doug Morris, as companhias que fabricam mp3players ou reprodutores de mídia em geral devem pagar uma mensalidade de U$5,00 por aparelho vendido, relativo à duração estimada de cada aparelho. Ou seja, em média, conforme pesquisas americanas, um iPod ou Zune dura na mão do seu proprietário por aproximadamente 18 meses. Depois disso, ou o aparelho quebra ou o seu dono resolve trocá-lo por um modelo mais atual (aumentando o lixo eletrônico no mundo, mas isso é o verdadeiro "american way of life"). Para Doug Morris, a Microsoft ou a Creative, fabricantes de mp3players, deveriam pagar a Universal Music o equivalente a U$90,00 por aparelho vendido. A Microsoft e a Creative por sua vez repassariam esse custo para os compradores do Zune e do Zen, em troca de um acesso ilimitado ao acervo da Universal. Ainda que a oferta de acesso ilimitado a todo o acervo da Universal seja tentadora, o consumidor iria pagar no ato da compra do aparelho pelo direito de ouvir todas as músicas que desejar enquanto durar o aparelho. O aparelho pode durar 18 meses, ou mais, ou menos. Mas o interesse do seu usuário pode também variar e durar mais ou menos do que este tempo. Ou seja, o consumidor de um destes aparelhos estaria pagando adiantado por algo que nem sabe se vai usar plenamente, porque o aparelho pode quebrar tão logo acabe sua garantia ou ele pode desistir do aparelho antes. Além disso, estaria pagando por músicas que nem sabe se irá ouvir, porque o mais comum é que as pessoas peguem um número determinado de músicas e fiquem ouvindo-as indefinidamente, variando muito pouco o seu repertório.

Outro calcanhar de Aquiles na idéia de Doug Morris está no fato de que o custo-extra é por aparelho. Ou seja, se o consumidor deseja possuir um Zune com disco rígido de 80gb que cabe muito mais mídias, além de servir como HD externo, e um Zune com memória Flash de 8gb, para praticar esportes, ele deverá desembolsar duas vezes U$90,00. É difícil de imaginar alguém aceitando pagar esta quantia passivamente.

Mas e a Apple nestes planos? Não é preciso dizer muito, já que o serviço da Universal visa essencialmente combater a força da iTunes Store, que nos EUA já é responsável por 22% das vendas de músicas em 2007. Doug Morris está mais preocupado em atingir a Apple no centro da sua estratégia no mercado de entretenimento do que em enxergar o que as pessoas desejam fazer com as músicas e filmes que apreciam. Isso não quer dizer que a Apple esteja do lado do público. Ela apenas percebeu que se desenvolvia uma brecha no mercado consumidor, no qual os aparelhos eletrônicos para a reprodução de mídia começariam a valer mais do que os conteúdos que eles reproduzem, porque as pessoas se acostumaram a obter suas músicas e filmes de graça pela internet. E antes o que era somente um veículo para a diversão, como os aparelhos de videocassete e os DVDs, passou a ser o centro do entretenimento pessoal, porque o importante não era mais apenas assistir a um filme ou ouvir uma música, mas ter a sua discografia ou filmoteca completas aonde você estivesse e do modo como você desejasse. Os mp3players tem mais relação com a conveniência de ouvir qualquer coisa em qualquer momento do que com as músicas que são escutadas através deles. A discoteca ou filmoteca particular é uma forma de cada indivíduo dizer perante os outros "este é o meu estilo; este é quem eu sou." (1)

Dentro desta evolução de comportamento, a Apple aproveitou para lançar uma estratégia de mercado que lhe ajudasse a se consolidar no ainda imaturo ramo da mídia digital. Na época do lançamento do iPhone, Steve Jobs fez um discurso para os funcionários da empresa no qual destacava que a estratégia da empresa se firmava sobre três pernas: os Macs, o iPod e o iPhone (com a possibilidade de uma quarta perna, que era o AppleTV). Interligando estas três pernas estão o programa e a loja virtual iTunes. E é exatamente nesta interligação onde reside o sucesso da Apple na área de mídia digital. Enquanto muitas empresas tentam perseguir o seu sucesso, tentando construir reprodutores de mídia portáteis melhores do que o iPod, a essência da estratégia da Apple reside no programa iTunes como um gerenciador de todo o entretenimento pessoal. O grande mérito da companhia está em perceber que as famílias não irão mais aceitar restringir o seu divertimento a um único meio, como nos DVDs ou CDs, e que aos poucos buscarão métodos de libertar as músicas e os filmes dos meios físicos nos quais estavam aprisionados.

O surpreendente até o momento é que apenas a Apple percebeu e conseguiu parcialmente implementar com sucesso a estratégia de interligar diferentes equipamentos e ferramentas para facilitar a transferência e o anúncio das mídias digitais entre meios distintos. Talvez porque o seu foco não esteja direcionado com ênfase na restrição da liberdade dos usuários em favor de um único meio de entretenimento (2). Para a Apple, o importante é criar um amplo ecosistema de aparelhos, serviços e programas para o divertimento doméstico, ainda que busque restringir essa experiência aos equipamentos de uma única fabricante. Com certeza, é mais fácil para uma única empresa implementar uma estratégia desta dimensão sozinha, apenas em sua linha de produtos, do que esperar que a Microsoft, por exemplo, consiga trabalhar eficientemente com diferentes fabricantes para conceber um sistema desta espécie. Basta ver pela mudança de postura da Microsoft, ao abandonar a estratégia do PlayForSure em favor do modelo implantado com o Zune, deixando no limbo a MTV, por exemplo, além de entre outros parceiros.

(1) Century of The Self, Adam Curtis

(2) Pode parecer uma afirmação polêmica, mas o DRM foi uma concessão da Apple aos estúdios cinematográficos e às gravadoras de música. Caso contrário, não haveria iTunes Store e seria mais difícil sustentar a existência do iPod.

Sobre o autor

Frederick Montero, diretor, produtor e editor de vídeo. Formado em Filosofia pela Unicamp, é diretor do vídeo Supermegalooping, premiado no Primeiro Festival de Vídeos pela Internet. Mantém o blog sobre mídias digitais d1Tempo Digital.


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