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Por Fernanda Alves Chaves
Data de Publicação: 30 de Agosto de 2007
Primeiro você tem que estudar como o dito cujo do carro funciona. Depois você conhece e aplica todos os movimentos necessários para que aquele emaranhado de ferro, aço, plástico, espuma, vidro, etc, se mexa no sentido que você deseja.
Para ir pra frente, você aperta a embreagem, engata uma marcha e vai pisando no acelerador com a mesma velocidade e delicadeza que vai tirando o pé da embreagem. Em determinado momento você tem um ponto de equilíbrio e percebe que o carro começa a andar. Em outras palavras, você conseguiu estabelecer um bom nível de comunicação e ele começa a te obedecer. A partir daí você tem uma segunda tarefa, guiar o carro para onde deseja que ele vá, para isso é necessário o uso do volante.
Os carros trabalham conforme a velocidade e a força. Em um outro momento, perceberemos que o carro não precisa mais de tanta força pra poder andar, pois ele já saiu do seu estado de inércia e ganhou um tequinho de velocidade (física aplicada). Aí, chegamos na segunda lição: Para dirigir, você precisa ter sensibilidade.
Ao diminuir a força e aumentar a velocidade é preciso "trocar de marcha". O raciocínio lógico é fácil. Quanto maior o número da marcha, maior a velocidade e menor a força que o carro precisa pra andar. Você sente quanta força o carro precisa fazer e alia isso a velocidade que você deseja que ele atinja. O carro tende a te obedecer com níveis de resposta absurdos. Ou seja, caros leitores, dirigir um veículo, qualquer que seja, é um ato mecânico e lógico.
A primeira vista, pra quem não conhece bem do riscado, parece meio complicado. Mas, conforme a experiência - seu tempo de boleia - e seu nível de nervosismo, essas coisas deixam de ser mecânicas e passam a ser movimentos involuntários, tal qual os batimentos cardíacos. E, pode se tornar involuntário a ponto das pessoas começarem a se sentir a vontade para fazer peripécias. Eu mesma, dia após dia me aperfeiçoo na prática de controlar o volante com as coxas, falar ao telefone e passar rímel ao mesmo tempo. Estou ouvindo os gritos: "Ahhh, ela faz isso!?!?!". Pra rebater eu confesso que também já vi pessoas fazendo coisas bem piores enquanto dirigiam, um verdadeiro atentado ao pudor. Hahahha... O Departamento de trânsito adverte. Se for dirigir, APENAS DIRIJA!!!
Conclusão da fina arte 1: Dirigir um veículo, é tarefa fácil pois é mecânica. Em contrapartida, exige prática e certo grau de sensibilidade motora do condutor.
O hipismo é um esporte muito gostoso, bonito e elegante. O que ele tem de bonito, também tem de complexo. Tá, agora ouvi mais algumas pessoas rindo da minha cara. "Ara! Deve ser complexo pro cavalo e não pra você."
Bem, vou explicar. O salto, modalidade que eu pratico, é composto por cavaleiro/amazona e um cavalo, juntos eles formam um conjunto que precisa ultrapasssar diversos tipos de obstáculos em um percurso e tempo pré definidos.
Até aí, é moleza, e facilmente comparável com o ato de dirigir um carro. Se não fosse pelo fato do cavalo não ser um objeto inanimado. Muito pelo contrário, ele tem vida, personalidade e, por conseguinte, tem vontade própria.
Estava eu, no haras, treinando uma sequência simples de dois saltos em linha reta. Vinha galopando, saltava o primeiro obstáculo, dava 3 passadas, saltava o segundo obstáculo e saía para a direita e para a esquerda, alternadamente. Era um movimento em forma de "8"
O que acontece é que eu fiquei um tempão tentando fazer os saltos sairem, e nada. Meu treinador mandava parar, mandava voltar, arrumar a postura, aumentar o galope, aumentar o tamanho das passadas. Foi um "Deus nos acuda". No final eu consegui fazer o tal do exercício, com muito esforço.
A caminho das baias eu estava toda tristonha, me achando a "looser" do hipismo brasileiro feminino amador sub 30. Então, fiz a pergunta clássica pro Reynaldo (meu treinador): "Porque eu não consegui? O que eu fiz de errado?" A resposta dele foi sábia, tal qual as respostas dos grandes mestres Miyagi e Yoda. "Você é uma pessoa e o Gran Tesouro é um cavalo. Vocês tem vontades e motivações diferentes. Vocês só farão um bom trabalho juntos quanto dominarem a técnica do salto e se conectarem como um só ser. O caminho para conseguir isso é respeito mútuo e muito treino." Uia!! Quase chorei.
Passado esse momento iluminado e cheio de significado, fiquei pensando que equitar é muito mais difícil que dirigir carros.
Conclusão da fina arte 2: Montar cavalos é tarefa difícil. Exige concentração, muito equilíbrio e convergência de objetivos de dois seres de naturezas diferentes. Não esqueçam que ter bunda grande também ajuda.
Semana passada, um aluno estava conversando comigo, no corredor da faculdade. Era aquele típico aluno que foi pra faculdade buscar o diploma, e se conseguir aprender alguma coisa, é lucro.
Bem, a conversa ultra-mega-master-blaster produtiva - sim, me rendeu assunto pra coluna desta quinzena - rodava em torno da seguinte fala do aluno: "Esse negócio de psicologia, motivação e liderança é história pra boi dormir! Chefe bom mesmo era o meu pai, ele sabia fazer o serviço, mandava os funcionários dele fazer, os caras obedeciam, e deu."
Logo depois, um outro aluno mais evoluído (mas nem tanto), disse a seguinte frase - antes de correr no sentido da escadaria: "Até entendo que um bom gerente faz diferença;. Mas, que coisa é essa de reunião com gritinhos motivacionais no início do dia? Ara!"
E, pra terminar minha noite com chave de ouro (pois, pra pobre, todo castigo é pouco) o primeiro aluno veio e fechou com o seguinte comentário: "Pra senhora ver como esse negócio de gerenciamento e liderança é moleza. Tive essa matéria no meu curso e eu passei por média. Isso quer dizer que eu sei quase tudo e sou um ótimo supervisor lá na firma. Meus funcionários nunca reclamaram."
Depois disso, o papo começou a esquentar e eu relembrei a ele que existem diversos tipos de líderes (pessoa/chefe), lideranças (modelos/processos) e liderados (seguidores/funcionários), sem deixar de lado os tipos de empresas. Ou seja, tentei explicar que um bom líder se forma da aliança entre suas habilidades, sua técnica de liderança, as competências dos seus liderados e a também da cultura organizacional da empresa em que esses trabalhavam.
Infelizmente, não sei se consegui fazer com que fosse percebido o grau de importância de agregarmos bons líderes à empresa, e, principalmente, o nível de complexidade e exigência da tarefa de liderar. Confesso que fui pra casa muito pensativa. Pensativa sobre o futuro deste profissional e no futuro da empresa que ele trabalha. Um dos dois, certamente, vai se dar muito mal.
Esses alunos me passaram a nítida impressão de que se fossem pra escola e assistissem um número "x" de aulas, aprendiam as técnicas de gerenciamento e... suddenly... se tornavam ótimos líderes. Bem, no mundo de Alice pode ser que seja assim, mas, no nosso mundo corporativo atual, cheio de concorrência e demanda, o buraco é bem mais embaixo.
Pra não ir muito longe, dia após dia, me deparo com profissionais de TI que se vangloriam de acharem absurdas as práticas exercidas pelos seus coordenadores ou supervisores, enquanto esses se esforçam para tabalhar como bons líderes. Tais profissionais são os mesmos que reclamam e desconjuram o RH, toda vez que a empresa oferece um treinamento sobre relacionamento em equipe.
Conclusão da fina arte 3: Liderar pessoas é, dentre todas as que conheço, a tarefa mais difícil e desgastante. Exige técnica, exige prática, conhecimento, habilidade interpessoal, boa comunicação, altos níveis de sensibilidade, movimentos pensados e certeiros, profissionalismo, paciência, flexibilidade, resiliência, empatia, perseverança e muita, mas muita boa vontade.
Você acha mesmo que esses alunos são fruto da imaginação fértil desta colunista curitibana de coracão?. Podem ser. Ou não. De qualquer maneira, olhe para o lado. Calma!!! Com cuidado. Não deixe que eles percebam que você os está observando." ...
Lamento informar, mas, tenho quase certeza que um dos caras que está sentado na mesa ao lado, pensa que você está perdendo tempo ao se desenvolver como profissional.
Mas, como todo Yin tem seu Yang, se ele não dá atenção a isso, você dá. Um dia vocês podem disputar uma mesma vaga na empresa dos seus sonhos e, tenho certeza que você será o contratado. ;-D
Fernanda Alves Chaves é daquelas pessoas que buscam o que ainda há de humano em um ambiente dominado pela tecnologia. É administradora, especialista em Gestão de Pessoas, profissional de RH e professora universitária. A verdade mesmo é que ela gosta de gente, e é figurinha fácil entre os ambientes dominados por nerds, geeks, etc. Se empenha em ver toda a gente crescer, melhorar, atuar em redes. E, na visão dela, as pessoas começam a formar redes antes de chegarem perto de computadores! As redes se formam de mãos dadas, da troca de olhares, de palavras e... pois bem, também de e-mails, mensagens instantâneas e scraps. Independente dos meios, redes serão sempre de pessoas às quais a tecnologia deve servir, nunca o contrário. É para lembrar disto, sempre, que Fernanda nos brinda com sua coluna no Dicas-L!