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Você não pode entrar aqui com este celular!

Por José Antonio Milagre

Data de Publicação: 26 de Abril de 2009

Vamos a um caso "fictí­cio": Uma escola particular no Estado de São Paulo; duas alunas começam uma briga em sala, a "roda se forma", as meninas caem no chão, em alguns minutos o Professor que estava fora da sala intervém, e as alunas, machucadas, são levados í  enfermaria, sendo uma, claramente mais ferida, com cortes no rosto e o nariz sangrando.

Esta cena nada teria de "novidade" aos leitores, não fosse um aluno que filmara todo o ocorrido com seu ultra-celular, em altí­ssima resolução. Publicar na Internet? Ele vai além, e exige sexo com a adolescente para que o ví­deo não seja divulgado. A chantagem é aceita, e mesmo assim o ví­deo é divulgado entre os alunos do colégio por meio de comunicação Bluetooth, até que um dia aparece na Web; A garota, em estágio depressivo e não agí¼entando mais toda a pressão, abre o jogo, e conta tudo aos pais, que processam não só os pais do adolescente, mas o Colégio, por permitir celulares em sala de aula.

Tal caso "fictí­cio", mais que nos chocar pela frieza do adolescente, nos faz pensar sobre um ponto fundamental que é discutido hoje no Planeta: O uso de celulares em escolas, deve ser proibido?

É mais um debate cujos dois lados tem seus fundamentos consideráveis e convincentes. Por um lado, o uso de celulares com televisores embutidos, câmeras, mp3, pacote de dados, vem "acabando" com as aulas, potencializando a distração dos adolescentes; "celular prejudica o aprendizado e a socialização" e por vezes é utilizado com "má-fé", onde é comum encontrarmos na Internet professores "tirando caca do nariz", "o close no bumbum da pobre docente que escrevia no quadro" ou "professores fazendo dancinhas estranhas", que certamente não fariam se soubessem que um aluno esperto lhe filmara pari passu. Não se pode esquecer das famosas "colas nas provas", que ficou fácil de serem feitas com estes dispositivos. Games em sala de aula então...Que o diga!

Por outro lado, há a corrente de quem defende que proibir celulares com alunos em sala de aula é "inconstitucional", viola o direito de "ir e vir com seus bens", a dignidade da pessoa humana e o direito pétreo í  segurança, considerando que o equipamento pode ser utilizado em muitos casos para afastar riscos ou danos í s pessoas ou terceiros. E quando digo segurança, podemos pensar "naquele professor que manda o aluno tomar naquele lugar" em ato completamente descontrolado, ou "aquele professor que impõe um castigo que mais se assemelha í  tortura", dentre outros. Com todo respeito í  nobre classe dos professores, a qual faço parte, mas sabemos que exceções existem.

Como se verifica, a disputa é boa e as teses bem amparadas! Mas, vejamos como o mundo pensa:

Nos Estados Unidos, a Suprema Corte do Estado de New York proibiu que alunos levassem seus celulares a escolas públicas. A Medida foi aprovada pelo Departamento de Instrução do Estado. Os pais protestaram junto í  corte, alegando que filhos com celulares é igual a tranqí¼ilidade para pais.

É possí­vel encontrar na Web até opiniões mais ortodoxas, tachando a proibição de celulares nas Escolas de uma "Prática Fascista" [1]

O Governo do Peru também já intenta medida restritiva semelhante [2]. Na Europa, a França discute a proibição de celulares para menores de 12 (doze anos) [3]. A Itália, em 2007, proibiu que crianças usassem celulares em classes após a publicação em novembro de 2006 de um ví­deo onde um aluno deficiente era espancado em sala por colegas [4]

Preste atenção, crianças!

Já no Brasil, São Paulo foi o primeiro estado a proibir os equipamentos, com a rápida aprovação da Lei Estadual 12.730/2007, prescrevendo que "Ficam os alunos proibidos de utilizar telefone celular nos estabelecimentos de ensino do Estado, durante o horário das aulas".

A Lei foi regulamentada pelo Decreto número 52.625 de janeiro de 2008, que prevê que:

Artigo 2º - Caberá í  direção da unidade escolar:
I - adotar medidas que visem í  conscientização dos alunos sobre a interferência do telefone celular nas práticas educativas, prejudicando seu aprendizado e sua socialização;
II - disciplinar o uso do telefone celular fora do horário das aulas;
III - garantir que os alunos tenham conhecimento da proibição.

Em seguida, a Prefeitura do Rio de Janeiro, em 2008, promulgou a Lei 4.734, válida apenas para a cidade.[5] No Ceará, a Lei 14.146/2008, vetou o uso de celulares e tocadores MP3 nas salas de aula das Escolas Estaduais. Rondônia também já apresenta legislação promulgada sobre o assunto [6] Cidades do Interior de São Paulo já adotam a iniciativa, como Piracicaba, que discute o projeto 226/2007 [7] Outros projetos de ní­vel estadual e municipal sobre o assunto são discutidos em outros Estados.

Alguns pontos merecem destaque na Lei Paulista: A Lei só se preocupa com escolas estaduais, o que de certa forma trata iguais de forma desigual. Aliás, se formos pensar bem, é amplamente mais provável que uma escola particular tenha maiores í­ndices de alunos com celulares. Outro ponto, é que a Lei proí­be alunos, repita-se, alunos, de usarem celulares, sendo que o mesmo não vale para professores. Ora, educação não é um "aprendizado mútuo, ou uma "sinergia de valores"?

A Lei já é inclusive atacada Judicialmente por Associações de Pais e Alunos Paulistas, como a NAPA [8]

Não bastasse a estranha iniciativa Paulista, no âmbito Federal, temos o adiantado Projeto de Lei 2246/2007 [9] que tramita na Câmara dos Deputados, de autoria do Deputado Pompeu de Mattos (PDT-RS). Em breve, se aprovado, todo o paí­s deverá cumprir a Lei.

Ao que se conclui de uma interpretação literária, a Lei Federal veda o uso de celulares em escolas publicas não só por alunos, mas a princí­pio por todos, o que é por demais truanesco. Segundo sua justificativa, o objetivo é assegurar?a essência do ambiente escolar", lindo não" Outro ponto engraçado é "Muitos deixam o celular no modo silencioso e í s vezes não resistem quando recebe uma ligação atendem sussurrando em voz baixa."

A Lei rebate a questão do celular como segurança para alunos se comunicarem com seus pais, alegando que todas as escolas possuem telefones fixos à disposição do aluno. Nossa, quais escolas são estas?

Cita também o caso da Alemanha, onde no Estado da Baviera o celular foi proibido, justificando o caso de alunos que levavam pornografia aos bancos escolares. A Lei não limita a idade da proibição, conquanto somos obrigados a deduzir que o aluno até 17 (dezessete) anos estará proibido, por ser menor, pois seria incrí­vel deduzir que a Lei deve ser aplicada í  ambientes acadêmicos, cursinhos, mestrados, etc.

Igualmente, não regulamenta o processo de verificação ou punição, e não se pode deixar de cogitar que cada escola poderá estabelecer um "processo" de retenção, punição e devolução dos equipamentos, sempre observando as regras traçadas pelo Poder executivo.

Agora, já pararam para pensar se aquele diretor ou professor revolve "fuçar" nos equipamentos retidos? Caso ní­tido de violação de privacidade e em alguns casos violação telemática não autorizada! Não precisa nem "fuçar", mas ter acesso no display a conteúdos privados do aluno. Como custodiar corretamente estes equipamentos? Lamentavelmente, nosso Legislador às pressas, nem sempre pensa nos "dois lados da moeda".

Minha opinião sobre o assunto?

Restringir totalmente os celulares aos adolescentes em quase um terço do tempo de suas vidas é descaracterizar-lhes, agredindo fortemente as premissas que embasam sua geração, a geração do hypertexto, wiki, a geração digital. É hora de pensar as novas tecnologias na escola não como inimigos, mas como ferramentas pedagógicas. [10] Experimente mandar um "Silêncio", via SMS, para seu aluno, mostre que você está lá e sabe o que lá se passa.

Evidentemente, entendo ser mais que absurdo o discente que "atende celular em sala de aula", o "aluno que assiste tv em sala de aula", ou "que fica ouvindo mp3 enquanto o professor está laborando arduamente explicando os conteúdos"; Agora de tais condutas í  restringir o uso por completo dos equipamento, não vejo proporcionalidade. Ora, talvez o legislador tenha esquecido que os celulares têm um botão desliga! Ou que existe algo chamado "vibracall"! Pronto, não está "em uso!". Diga-se, se o conteúdo da aula lhe envolve emocionalmente, não há toque, ringtone ou vibração que faça o aluno desviar sua atenção.

Medida "sem sal" e que não vai ser a grande responsável pelo melhor desempenho dos alunos em sala. E quando aquele professor quiser demonstrar que sabe das leis, e dirigindo-se imponentemente ao aluno pedindo que lhe entregue o celular, vai ouvir em tons garrafais: "Eu estou somente portando um celular, e não usando, logo, não estou infringindo lei alguma!" ou "Prove que meu celular está ligado!"

Alguém duvida?

Em sí­ntese, entendo que ambas as correntes tem seus prós e contras, penso sim que determinadas condutas de alunos são altamente reprováveis, mas convenhamos, o Estado tem assuntos mais importantes para fazer do que ficar expedindo leis com 3 (três) artigos. Tal tema bem que poderia ficar í  cargo do Regimento Interno das Escolas, como assevera a Lei de Diretrizes e Bases [11]. Assim, as Escolas deverão Revisar seus regimentos a respeito das novas tecnologias, com bom senso, e não impondo processos de retenção ou vexatórios (Lembrando-se sempre que o celular tem um botão "Power").

Sou contra sim é em relação a promulgação de Leis que envolvem tecnologia às pressas, sem aprofundados estudos sobre os temas, com oitiva não só de psicólogos, mas dos pais de alunos e demais envolvidos. Tomar por base paí­ses de Primeiro Mundo como Alemanha não me parece uma medida mais sensata, eis que é pouco provável que um aluno de lá tenha que fazer um contato às pressas com seus pais, pois a escola está no meio de um tiroteio entre traficantes...

Enfim, preparemo-nos para as "revistas pessoais" antes de ingressarmos nas escolas. Hoje, são os celulares e MP3 que serão proibidos, amanhã serão os DS Wireless [12], e a cada novo dispositivo móvel, mais uma Lei restritiva.

Hoje, começam-se as restrições nas escolas, depois nos cinemas, amanhã em lugares públicos [13], até um dia em que usar celular ou dispositivo móvel, será permitido apenas entre quatro paredes, em demonstração ní­tida da ?era da intolerância", onde "o rigntone do vizinho me causa ira e náuseas"! Pronto, regrediremos à  "telefonia fixa-celular".

É preciso que se aprenda, não se pode lutar contra as caracterí­sticas de uma geração, não se pode lutar contra tecnologia! A conversação está apenas começando.

Notas

  1. http://www.geocities.com/coepdeolho/coep_311007.htm
  2. http://band.com.br/conteudo.asp?ID=137402
  3. http://allgsm.blogspot.com/2008/07/frana-pode-proibir-celulares-nas.html
  4. http://tecnologia.uol.com.br/ultnot/reuters/2007/03/16/ult3949u1199.jhtm
  5. http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/scpro0711.nsf/c05c267b7adc845183257258006ec1fc/f99f5553009b95b6832572dc005f0010?OpenDocument&Start=2.1.1.1.2
  6. http://www.seduc.ro.gov.br/2007/noticias.php?prog=1123
  7. http://www.camarapiracicaba.sp.gov.br/camara07/index1.asp?id=5215
  8. http://www.geocities.com/napa_org/representacao_celular_revisada.htm
  9. http://www.camara.gov.br/sileg/integras/514266.pdf
  10. http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT16-2668--Int.pdf
  11. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm
  12. Japão Proí­be DS nas escolas: http://pt.wikipedia.org/wiki/Nintendo_DS http://forum.outerspace.com.br/showthread.php?t=5868
  13. http://info.abril.com.br/aberto/infonews/032001/07032001-23.shl
Este artigo não é acadêmico, portanto, não obedece regras de formatação e demais preceitos, usa-se de linguagem coloquial eis que se assemelha a um "post" em blog pessoal.

Sobre o autor

José Antonio Milagre possui MBA em Gestão de Tecnologia da Informação pela Universidade Anhanguera. É Analista de Segurança e Programador PHP e C, Perito Computacional em São Paulo e Ribeirão Preto, Advogado Especializado em Direito da Tecnologia da Informação pelo IPEC-SP, graduado pela ITE-Bauru, Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Fênix-SP, com defesa de tese e área de concentração Crimes Eletrônicos, Valor Probatório e o Papel da Computer Forensics, Extensão em Processo Eletrônico pela Universidade Católica de Petrópolis-RJ, Treinamento Oficial Microsoft MCP, Certificação Mobile-Forensics UCLAN-USA/2005, Professor Universitário nos cursos de TI e Direito da Anhanguera Educacional e de Direito e Perí­cia Eletrônica na Legal Tech em Ribeirão Preto-SP , Professor da Pós-Graduação em Direito Eletrônico pela UNIGRAN, Dourados/MS (Perí­cia Computacional), Professor da Pós-Graduação em Segurança da Informação do Senac-Sorocaba, Professor da Pós-Graduação em Computação Forense da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Vice-Presidente da Associação Brasileira de Forense Computacional e Presidente da Comissão de Propriedade Intelectual e Segurança da Informação da OAB/SP 21 a . Subsecção, membro do Comitê de Comércio Eletrônico da FECOMERCIO-SP, membro do GU LegislaNet e TI Verde da SUCESU-SP e palestrante convidado SUCESU-ES. Professor Convidado LegalTech, UENP-Jacarezinho, UNESP, FACOL, ITE, FGP, nas áreas de Segurança da Informação, Direito Digital e Repressão a crimes eletrônicos. Co-Autor do Livro "Internet: O Encontro de dois mundos, pela Editora Brasport, ISBN 9788574523705, 2008.

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