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Por José Antonio Milagre
Data de Publicação: 01 de Julho de 2009
Enquanto os ativistas e críticos concentram suas forças para a reprovação do Projeto do Senador Azeredo sobre crimes de informática, a Câmara analisa uma nova proposição no Congresso que salta aos olhos por ser "mil vezes" mais invasiva do que o já surrado "AI-5 Digital"
Como havia anunciado, em breve os ativistas contra o AI-5 Digital terão outra causa para se dedicar. Não que o projeto de Lei do Senador Azeredo, que estabelece os crimes de informática, seja arquivado ou sancionado, mas é que um projeto de Lei no mínimo restritivo e com poder de agressão aos direitos de personalidade potencializado, é proposto no Congresso Nacional. Se já chamam o Projeto de Lei de Crimes de Informática de "AI-5 Digital", qual deverá então ser o "apelido" do Projeto proposto pelo Deputado Bispo Ge Tenuta?
Explico. Como já destacado em outros artigos sobre o tema, mais uma vez reforço a afirmação de que os movimentos entabulados por ativistas e integrantes de Software Livre, ao focar especificamente no PL do "Senador Azeredo", continuam atirando para o lado errado, eis que ao concentrar energias no combate í microssistemas, não atingem (me permitam falar como um Itilninano), a "causa raiz do incidente", qual seja, o sistema em si.
Resultado? Estes movimentos vão ter trabalho por toda uma eternidade, pois a medida em que vencerem (se é que vão vencer) a luta contra o Projeto do Senador Azeredo, ou "AI-5 Digital", terão outros dez projetos mais truanescos para se debruçarem, como o que vou apresentar, nada mal não?
Também reconhecemos que macrossistemas são historicamente mais difícies de serem combatidos, e perspassam pela morosidade do Congresso e os interesses conflitantes de seus protagonistas, porém, é preemente a necessidade de que algo seja feito em prol do "conhecimento tecnológico" (perdoem o neologismo) daqueles que se aventuram em propor projetos de Lei sobre Informática e Internet, pois do contrário, ainda veremos muitas aberrações inimagináveis serem propostas.
O que me chama a atenção no entanto é que verifico não incomum audiências públicas sobre o tema, onde sempre os mesmos representantes da iniciativa privada são convocados, e então indago, onde está o erro? Não seria hora de ouvir mais pessoas ?
O fato é que, em 24 de junho de 2009, foi apresentado pelo Deputado Paulista, Bispo Ge Temura, do DEM, o Projeto de Lei 5361/2009[1], que cria penalidades civis para a baixa, download ou compartilhamento de arquivos eletrônicos na Internet, que contenham obras artísticas ou técnicas protegidas por direitos de propriedade intelectual, sem autorização dos legítimos titulares das obras.
A proposta já está nas mãos da comissão de ciência e tecnologia. Tal proposição promove uma alteração na Lei de Direitos Autorais Brasileira, Lei 9610/1998, especificamente no seu Art. 105, inserindo uma nova "pena" no ordenamento jurídico brasileiro, a "restritiva de acesso a Internet".
Pela lei, em seu artigo 2o., Provedor de Acesso é qualquer entidade pública ou privada que faculte aos usuários de seus serviços a possibilidade de se comunicar com a Internet. Aqui, tem-se uma nova omissão, eis que a Lei não estabelece se o conceito de provedor de acesso estende-se í queles que se contratam serviços de acesso a internet e repassam a seus clientes ou usuários como telecentros, lan houses, hotspots wireless no comércio, dentre outros.
De modo que, aqui sim, ao arrepio constitucional, o PL 5361/2009 dispõe, ao adicionar malfadados parágrafos no artigo 105 da Lei de Direitos Autorais, que:
Art. 105. A transmissão e a retransmissão, por qualquer meio ou processo, e a comunicação ao público de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações e de fonogramas, realizadas mediante violação aos direitos de seus titulares, deverão ser imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente, sem prejuízo da multa diária pelo descumprimento e das demais indenizações cabíveis, independentemente das sanções penais aplicáveis; caso se comprove que o infrator é reincidente na violação aos direitos dos titulares de direitos de autor e conexos, o valor da multa poderá ser aumentado até o dobro.
Parágrafo único. No caso da transmissão ou retransmissão de obras artísticas, literárias e científicas por intermédio de redes de compartilhamento ou sítios da Internet, ficam os provedores de acesso í Internet em operação no território nacional obrigados a identificar os usuários de seus serviços que estejam baixando, procedendo a download, compartilhando ou oferecendo em sítios de qualquer natureza, obras protegidas por direitos de propriedade intelectual, sem a autorização dos autores das obras, e:
I - na primeira ocorrência da conduta, informar o usuário, por mensagem de correio eletrônico, de que a baixa, download, compartilhamento ou oferta em sítios de qualquer natureza, de obras protegidas por direitos de propriedade intelectual, sem a autorização dos autores, constitui crime contra os direitos do autor;
II - em caso da primeira reincidência na conduta prevista no caput deste parágrafo, o provedor de acesso deverá notificar o usuário mais uma vez, informando que na próxima reincidência o acesso do usuário será suspenso pelo prazo de três meses;
III - constatada a segunda reincidência na conduta prevista no caput deste parágrafo, o provedor de acesso suspenderá o acesso í Internet do usuário pelo prazo de três meses.
IV - constatada a terceira reincidência na conduta prevista no caput deste parágrafo, o provedor de acesso suspenderá o acesso í Internet do usuário pelo prazo de seis meses;
V - constatada a quarta reincidência na conduta prevista no caput do parágrafo, o provedor de acesso cancelará em definitivo o contrato de fornecimento de acesso í Internet do usuário.
VI - as ocorrências previstas nos incisos II, III e IV deste parágrafo não isenta o usuário do pagamento pelo serviço de acesso í Internet.
Quem já pensou que tinha visto de tudo em termos de tentativas de regulamentação da Internet pode estar pasmo com esta Lei que deixa a "Lei da Apologia í como montar bombas na Internet", literalmente, no chinelo. Segundo a justificativa do Deputado Autor do Projeto em comento, o direito í propriedade intelectual está sendo "vilipendiado" por meio das redes de compartilhamento de arquivos na Internet, bem como o ambiente produtivo está sendo desestimulado pois o trabalho alheio "é subtraído, multiplicado e transmitido para bilhões de usuários da Internet sem a autorização do legítimo titular". Para o Deputado, "Brasileiro adora levar vantagem".
Fica claro aqui que o Projeto Brasileiro tem inspiração francesa, onde encontramos elementos para esta conclusão na própria justificativa do Deputado. Na França, recentemente e pressionado pela indústria fonográfica e cineastas, o Presidente Sarkozy aprovou a "Lei Hadopi", que punia quem compartilhava arquivos pela Internet. A Lei Francesa previa um processo semelhante ao Brasileiro, onde após duas advertências recebidas pelos Provedores, a "mando" dos próprios titulares do direito autoral, o usuário tinha sua conexão suspensa por dois meses, continuando a pagar pelo serviço.
Naquele país, a Lei foi suspensa pela Corte Francesa recentemente, sob o brilhante fundamento de que a mesma arranhava a Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão de 1789, nos artigos 5, 9 e 11 [2]
No Brasil, o Projeto em discussão prevê que o Provedor de Acesso í Internet passa a ser obrigado a identificar usuários de seus serviços que estejam baixando, procedendo a download, compartilhando ou oferecendo em sites obras protegidas pelo Direito Autoral.
Assim, a primeira vez que for identificado o usuário receberá um e-mail aviso, na segunda vez, receberá um e-mail advertência, na terceira vez, terá a suspensão do acesso í Internet por três meses, na quarta vez, suspensão por seis meses da Internet, e na quinta vez, cancelamento definitivo da Internet. Nos casos de suspensão da Internet, o usuário continuará com o dever de pagar pela conexão que não pode mais utilizar!
Mas, por que o Projeto é mais catastrófico que o Projeto de Lei de Crimes de Informática? Simples, por ser concebido a partir de pressupostos mais que equivocados, quais sejam:
Ademais, ao determinar ao Provedor de Acesso o dever de identificar usuários que estão baixando ou disponibilizado conteúdos protegidos pelo direito autoral, o projeto simplesmente legaliza o "sniffing", interceptação telemática, ou farejamento de redes, eis que para avaliar se o conteúdo é ilegal, forçosamente o provedor terá que ter acesso a todo o conteúdo que o usuário transmite na internet, vídeos, chats, servidores de arquivos, textos, músicas, dentre outros.
Aqui, no PL 5361/2009, ao contrário do Projeto de Lei 89/2003 (84/1999), que obriga provedores a coletar tão somente "Informações de Servidores" (o que já é feito hoje), visualiza-se uma menção expressa a "conteúdo", fator de alto risco, o que torna o projeto "mil vezes" mais maléfico do que a Lei de Crimes Informáticos, em trâmite há dez anos no Congresso Nacional.
Com efeito, achincalha com a Constituição Federal e seu pétreo artigo 5o., inciso X da Constituição, que assegura a todos que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Não bastasse, o Projeto de Lei proposto por Ge Tenuta, ao prever que os próprios provedores identificarão, e aplicarão as "penas" de advertências e restritivas de Internet, cria a figura do "Provedor Juiz", o que claramente ignora o monopólio da Jurisdição em substituir os titulares nos conflitos de interesse, decidindo de forma imparcial, sempre.
De maneira que, ao prever um processo extrajudicial para punição de usuários, o Projeto de Lei fere gravemente o princípio da inafastabilidade do poder judiciário, que nos anuncia que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Ora, só um Juiz tem condições de verificar, em cada caso concreto que lhe é apresentando, se realmente existe violação autoral e principalmente, só um Juiz, representando o Estado, pode aplicar penas, ainda que "cíveis", aos cidadãos, sempre após um justo e devido processo legal, com a possibilidade de contraditório e ampla defesa.
Ao que parece, o Deputado quer eliminar no Brasil a Lei de Gerson, aplicando a Lei de Talião! Um contra-senso!
E aqui, no "Processo instaurado pelo Provedor", qual a garantia de que este não estará equivocado em sua conclusão, ou "comprado" por uma grande titular de direitos autorais, ou ainda, qual a garantia de que o usuário será ouvido e terá o seu direito sagrado í defesa? Nenhuma!
Ademais, a proposta é ingênua í medida em que deixa claro desconhecer que hoje existem técnicas de mascaramento de ips que poderão indicar um "falso trangressor", bem como que crackers poderão utilizar de máquinas de vítimas como "zumbis" para a prática das violações autorais, e estas pessoas ainda serão as culpadas perante a Lei.
Aqui sim, ao contrário do "buzz" provocado em face do Projeto de Lei de Crimes de Informática, temos claro, na interpretação da justificativa do Congressista, o interesse em mitigar as redes de compartilhamento de arquivos, o que certamente vem em prestígio das grandes gravadoras e titulares de Direitos Autorais. Evidentemente, o Projeto é novo, e ainda passará pelo último crivo da Comissão de Constituição e Justiça, na qual certamente será rejeitado (?). Porém, vale a pena o debate e a advertência de que o foco do ativismo deve ser uma conscientização global sobre tecnologia aos legisladores, e não o ataque específico a este ou aquele projeto de Lei que ouse regulamentar tecnologia.
Aos interessados em mais informações, acompanhem entrevista sobre o assunto concedida por nós í Rádio Câmara [3]
José Antonio Milagre possui MBA em Gestão de Tecnologia da Informação pela Universidade Anhanguera. É Analista de Segurança e Programador PHP e C, Perito Computacional em São Paulo e Ribeirão Preto, Advogado Especializado em Direito da Tecnologia da Informação pelo IPEC-SP, graduado pela ITE-Bauru, Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Fênix-SP, com defesa de tese e área de concentração Crimes Eletrônicos, Valor Probatório e o Papel da Computer Forensics, Extensão em Processo Eletrônico pela Universidade Católica de Petrópolis-RJ, Treinamento Oficial Microsoft MCP, Certificação Mobile-Forensics UCLAN-USA/2005, Professor Universitário nos cursos de TI e Direito da Anhanguera Educacional e de Direito e Perícia Eletrônica na Legal Tech em Ribeirão Preto-SP , Professor da Pós-Graduação em Direito Eletrônico pela UNIGRAN, Dourados/MS (Perícia Computacional), Professor da Pós-Graduação em Segurança da Informação do Senac-Sorocaba, Professor da Pós-Graduação em Computação Forense da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Vice-Presidente da Associação Brasileira de Forense Computacional e Presidente da Comissão de Propriedade Intelectual e Segurança da Informação da OAB/SP 21 a . Subsecção, membro do Comitê de Comércio Eletrônico da FECOMERCIO-SP, membro do GU LegislaNet e TI Verde da SUCESU-SP e palestrante convidado SUCESU-ES. Professor Convidado LegalTech, UENP-Jacarezinho, UNESP, FACOL, ITE, FGP, nas áreas de Segurança da Informação, Direito Digital e Repressão a crimes eletrônicos. Co-Autor do Livro "Internet: O Encontro de dois mundos, pela Editora Brasport, ISBN 9788574523705, 2008.