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Pampa, Pampa!! "Hermanos inbound!!?

Por Jefferson Wanderley dos Santos

Data de Publicação: 09 de Fevereiro de 2015

Se a similaridade entre o planejamento de uma atividade aérea e a gestão estratégica de projetos não for bem exemplificada no causo que segue, eu não teria êxito em qualquer outra narrativa.

Planejar um voo requer cuidados, sobretudo ao se antecipar aos famosos agentes intervenientes, aqueles pertencentes ao macroambiente externo a uma organização e absolutamente alheio ao que deles precisamos para lograr êxito em nossas atividades.

Assim, o pitoresco relato que segue tem a ver com a essencial figura da "inteligência integradora" de um projeto multifuncional com vários setores distintos agindo entre si e a forma como se fica absolutamente à mercê dos "agentes intervenientes" característicos do ambiente externo de uma organização.

A inteligência integradora é aquele pobre coitado que, no discretíssimo silêncio de sua atuação, procura juntar as pontas soltas de um profuso laço onde, até desesperadamente, procura atar conexões de setores por vezes não só distintos entre si como também antagônicos, normalmente quando houver algum tipo de remuneração distinta por conceitos de "produtividade remunerada".

O cenário é a capital gaúcha que abrigou pilotos, tripulantes, mecânicos e pessoal de apoio de quatro países convidados para uma manobra operacional aérea. Assim, a missão coordenada pela Força Aérea Francesa, contou com a participação do Brasil, Argentina, Chile e Paraguai.

Cerca de seiscentos marmanjos circulando na capital de belíssimas representantes do sexo feminino. Algo tinha que dar errado ou, pelo menos, muito fora do previsto.

Bem, depois de quatro dias de extenuantes operações aéreas, com decolagens antes do nascer do sol, eis que, um belo dia, ou melhor, em um belo final de tarde, todos no cinema da Base Aérea, para a revisão crítica das operações terrestres e aéreas do dia e preparação para as do dia seguinte.

Bem, depois de enfadonhas apresentações operacionais, a "rapeize" só pensava em faturar "aquilo", muito comum no meio aviatório e, ainda mais, quando o grosso da população era de jovens, tinindo.

Eis que, ao fim da preleção do mais antigo a bordo, o oficial de relações públicas, ou o gerente de marketing e relações institucionais, fala de uma "engrenada" que ele e sua equipe havia preparado para aquela população exarando testosterona pelos orifícios lacrimais...imaginem o resto...

Sua grande, ou melhor, excepcional "engrenação" era ter conseguido convencer os donos de duas "casas de tolerância" a fazerem um pool, importando belíssimos espécimes das pradarias dos pampas. Disseram as más línguas que foi na ordem de quatro ônibus executivos abarrotados. Tinha que, em algum momento, dar zebra...enfim.

Caros leitores, procurem imaginar seiscentos milicos, com a média etária nos entornos dos vinte e oito anos, com mais de três mil PSI no sistema hidráulico do "baixo ventre" contidos por um tênue selo de vedação que, após a notícia fez com que a expressiva maioria literalmente pulasse da cadeira, após o "fora de forma" e disparassem para os carros, ônibus, caminhões, bicicletas, carroças etc, tudo o que pudessem leva-los, de pronto, aos alojamentos, para um banho relâmpago e proa do nirvânico recôndito gaúcho onde valquírias de olhos verdes ou azuis, ou violetas ou turquesas, whatever, os esperavam.

Ficaram, apenas, os envolvidos na primeira missão com decolagem no nascer do sol: Uma esquadrilha com quatro jatos F-5 decolaria para um "combate dissimilar" em treinamento, com uma outra esquadrilha de Mirages franceses, mas da Força Aérea Argentina, cujo código era Austral. Pouco importava, pela total e absoluta desconcentração dos jovens envolvidos, doravante seriam, somente, "los hermanos". Poupemos o complemento "fdp" em função de muito não intencionalmente, estarem tirando aquela reduzida plêiade de audazes pilotos do idílico encontro com jovens valquírias gaúchas. By the way, what beauties...bem, deixemos os predicados para a imaginação dos que agora leem.

Em defesa dos "austrais" nada eles sabiam porque aquela esquadrilha, em especial, decolava das cercanias de Buenos Aires.

Bem, prosseguindo para a missão, a decolagem seria de Canoas, RS, com navegação tática, abastecimento aéreo na vertical de Santa Maria, RS, e área do combate dissimilar em Alegrete, RS. A esquadrilha Austral (não podemos esculhambar todo o tempo, o nome previsto ERA Austral, note-se) entraria em Uruguaina, RS aguardando o "pronto" do árbitro.

Apresentando mais dois atores. O árbitro, ou "patrão" do exercício, era uma aeronave Airbus "AWACS" (airborne warning and control system " sistema de alarme aéreo antecipado), aquela aeronave com um "prato" (radar) enorme no dorso. Havia, também, pelo lado da FAB um C-130 de reabastecimento em voo (REVO), codinome "Gordo".

O "Gordo" estava, feliz e lampeiro, pernoitando na, também, belíssima e idílica Florianópolis. Era previsto ele decolar, também no nascer do sol, aproar Santa Maria, RS, também chamada de "Randez vous" ("en defense du term", nada a ver com o pool nirvânico da noite anterior).

Bem, passando a história para lado gerencial, a equipe responsável pela Logística de toda manobra seguiu, rigorosamente, as Diretrizes do Comando Geral e a do Direção do exercício internacional. Todos quarto participaram das reuniões preparatórias, ocasiões nas quais todos acordaram em cumprir o que lhes era de responsabilidade. E, por fim, todas arestas haviam sido aparadas na última reunião antes do início do Exercício.

Eles eram a "inteligência integradora" do projeto da Logística do Exercício internacional. O papel dela é integrar partes em um todo harmônico. No caso dos envolvidos, havia o pressuposto de tudo funcionar, especialmente após o último brifim geral. Tudo pensado, tudo ensaiado, tudo coberto, tudo....

Mas, enfim, o que houve? Qual o motivo da história? Ah! Mas esqueceram dos agentes intervenientes.

Divididos em eventos, fatores e atores, os agentes intervenientes são aqueles seres, ou equivalentes, que habitam o universo do planejamento organizacional estratégico, cuja natureza que justifica sua existência é a propriedade que, inexoravelmente, possuem de esculhambar todo e qualquer projeto cuidadosa, diligente e meticulosamente planejado e elaborado. Ah! Jamais devemos esquecer que o planejador ou o gerente do projeto não tem qualquer ascendência ou poder de mando sobre eles. A coitada vítima é sempre um paciente e jamais um agente de transformação quando com eles se depara. Talvez, via de regra, transformado da noite para o dia em empregado para defenestrado ao raiar do dia.

Voltemos para o fato em si.

Uma hora antes do nascer do sol, quatro intrépidos pilotos e dez mecânicos reuniram-se em uma sala de brifim sob um frio de rachar a taquara (bem, o nome é outro mas deixemos este que é mais elegante e faz uma apropriada alusão ao órgão em comento).

A decolagem deu-se sem atrasos e os exercícios aéreos que antecipariam o combate dissimilar também. Apesar do nível de voo alto, a nebulosidade era intensa em função de uma frente fria estacionária. O líder da formação de F-5, para manter o contato visual com os demais, preferiu circular um pouco fora da possibilidade de adentrarem em nuvens.

Chega o momento do reabastecimento em voo para o combate após se iniciar. A esquadrilha dos Mirage, por sua vez, seguia seu plano de voo em espaço aéreo argentino aguardando para adentrar no brasileiro. Os movimentos dar-se-iam de acordo com os horários e não por comandamento de "patrão". Assim, no momento oportuno o líder dos Mirage alongou a "perna de afastamento" da órbita em forma de hipódromo e iniciou uma curva ("inbound") para acelerar na reta para entrar na área. Tudo muito rápido e cirúrgico, de acordo com o que o exercício, em sua natureza, pedia. A expectativa do movimento era que a esquadrilha de caças brasileiros fizessem exatamente o mesmo próximo a Santa Maria, RS, iniciando o combate dissimilar (ou seja, diferentes aeronaves em confronto, e não similares).

Bem, para adocicar a desdita dos brasileiros, havia uma plateia no cinema da base aérea acompanhando as imagens de radar envidas pelo AWAC. Que lindinho. Pontinhos iluminados em um fundo preto denunciando manobras conhecida de todos, a maioria pilotos de aeronaves de caça. Ademais, como diria o "sábio" Felipão, "Não existe jogo amistoso entre Brasil e Argentina!", dissera certa vez a repórteres. "So, does in flights, as well!!", vaticinara o destino antes de eleger um Papa portenho.

Ao dar o tempo certo estabelecido pela regra do exercício, onde estavam os quatro aviões brasileiros? Circulando e gritando. Circulando e gritando: "Gordo, Gordo, Pampa no Rendevous!!" O código para informar ao C-130 Revo (Reabastecimento em Voo) que as aeronaves, em esquadrilha, estavam prontas, na vertical do ponto determinado para, a cada dois, "mamarem" (piloto adora um quê de "lascivo" no papo rádio, não tem jeito) nas mangueiras que se estendiam por detrás das asas fluindo o querosene para os sedentos tanques dos F-5.

Cadê o Gordo? Feliz e lampeiro ele aguardava o teto subir e o aeroporto de Florianópolis abrir para as decolagens. Eis o primeiro dos agentes intervenientes esculhambando a festa. A meteorologia. Nem sempre ela se comporta como se mostra em previsão. Ademais as previsões são para regiões e não pontos específicos. Enfim, para desdita dos caçadores, ainda que o aeroporto abrisse, o Gordo teria que esperar todas aeronaves comerciais taxiarem e decolarem devido ao posicionamento que fora colocado para pernoite no estacionamento.

Bem, diriam meus caros leitores, para um exercício desta monta tinha que ter aeronaves reservas. Claro que sim, claro que tinha reserva. Duas, até. A primeira reserva fora desconfigurada para transportar, por ordem intempestiva do Palácio do Planalto, uma célula de militares para reforçar a segurança de um contingente de paz em Angola a pedido, também intempestivo, da ONU. Os que já trabalharam ou deram apoio a contingentes de manutenção da paz sabem o quanto a situação social deteriora de uma hora para outra. Em menos de um dia, por vezes.

E o segundo reserva? perguntar-me-iam. Bem, este pitoresco affair requer um parêntesis "prolegomínico". A segunda aeronave estava confortavelmente em seu "caliente spot" (um elegante eufemismo para "quente praca", no estacionamento de concreto no lendário Campo dos Afonsos, Marechal Hermes RJ.

Eis que surge mais um evento interveniente. Uma mensagem no outlook do computador do especialista em suprimento pipoca denunciando que o FCU (fuel control unit - uma peça que controla o fluxo de combustível sob várias posições distintas da manete do motor) atingira seu TBO (time between overhaul - tempo entre grandes inspeções). Ato contínuo, ele deveria solicitar ao mecânico que sacasse a peça enquanto ele elaborava as "guias de recolhimento" para que a mesma sofresse a intervenção de uma oficina civil, no comércio carioca, para então retornar ao seu berço escondidinha na parte traseira do cubo da hélice do motor.

Amigos (eu disse que seria prolegomínico rs rs), como navio só afunda carregado, a falta de sorte dos Pampas não poderia ser pela metade. Se o especialista em suprimento esperasse uma condução para o destino, Base Aérea do Galeão, haveria tempo do Comando Operacional central, em Brasília, determinar que aquela aeronave seria o "Reserva Uno". A peça permaneceria no motor por mais dez por cento do tempo de TBO, conforme doutrina de Logística específica da aeronave C-130. Acontece que tem o destino e, com ele, mais um fator interveniente.

Após contar-lhes os leitores haverão de convir que nem Jesus poderia prever o que ocorreria. Tanto o mecânico como o suprimento souberam da existência de uma escultural sargenta padrão "globeleza" que vestiria seu "colant" para liderar uma seção de ginástica laboral, sobre um visível palanque, para jovens aprendizes de uma ONG local. Ante tais circunstâncias, caríssimos, até eu levaria a peça no meu carro. (Esperar a condução? É ruim, hein!!), então porque esperar diferente dos jovens especialistas com o mesmo padrão de pressão hidráulica no baixo ventre?

Foi, então que o acaso, primo elegante do destino, quis que o Pampa ficasse sem o Gordo, o Reserva Uno e o Reserva "Dôs". Destarte que me senti, durante as justificativas no debrifim noturno, ouvindo a piada do Joãozinho explicando para a professora toda sua desdita de incêndios, alagamentos, ratos etc, que levaram sua redação para ser entregue no dia aprazado pela mesma. Também, convenhamos. Sabia que se contasse para meus familiares seria motivo de escárnio. Mas aconteceu...Que nem Ijuca Pirama certa vez disse: "meninos, eu vi!"

Bem, amigos, agora imaginem a "rapina" no auge da mais genuína secação, assistindo o desenrolar do combate dissimilar, confortavelmente sentados nas poltronas de um cinema, ligados na projeção das imagens do AWAC "Patrão.

O líder Pampa preocupado em não adentrar em nuvens e responsável pelo voo de mais três aeronaves "penduradas" na sua ala, descuidou do tempo, por um culhonésimo de segundos, porém o suficiente para iniciar uma curva de afastamento da órbita do REVO, e não da corrida final do combate (padrões de "hipódromos" distintos). Essa nova trajetória faria com que eles se presenteassem, "cordeiramente" para os ávidos colimadores dos Mirages. Moleza assim surpreendeu a todos. O que veio, de forma inusitada em seguida, deu o merecido tom e fecho para o quê de pitoresco de tão estapafúrdia situação: Um jovem piloto voando outro F-5 em uma missão de reconhecimento meteorológico de alta altitude, também assistia de sua cabine, o passeio dos pontinhos em seu radar tático. Não se contendo proferiu, apressadamente, um alerta em uma curta frase que o eternizaria o resto de sua vida. Ao tentar avisar o líder Pampa com o inimigo às costas e antevendo o "oferecimento" após a curva de reversão, gritou achando que só os F-5 ouviriam: "Pampa, Pampa, "Hermanos inbound"!! A explosão de gargalhadas no cinema foi inevitável, até os oficiais generais diretores do exercício não se contiveram de tanto riso.

Enfim, amigos, a pior frase para o piloto esperar ouvir ao longo do exercício foi dito pelo "Patrão": Abort, abort! Chancelando a desdita e "registrando em cartório" a incompetência.

O que ficou-me de experiência para projetos futuros que posso lhes sugerir, caros leitores executivos de organizações e encarregados de serem a "inteligência integradora" de um dado projeto?

a) Se estiver no comando, se a bola estiver com você, faça um "brainstorming" com sua equipe convidando, se possível, membros experientes dos setores que lhe serão os precedentes no projeto;

b) Se não for possível convidá-los antecipe-se na agenda e pesquise sobre projetos semelhantes tendo as mesmas empresas e região envolvidas;

c) Procurem esgotar todas as possibilidades de interação com os agentes intervenientes;

d) Estabeleça e negocie alternativas com os setores que lhes serão os fornecedores dos meios e recursos para as ações de contingência; e

e) Registre tudo para lhe ajudar em decisões futuras.

A partir desses passos e usando a experiência alheia nunca tive problema e estive à frente de muitos projetos complexos e logrei êxito. Com certeza você também logrará.

Bons vôos!!

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