O erro "bom"
Por Jefferson Wanderley dos Santos
Data de Publicação: 16 de Agosto de 2016
Reflexões sobre os desafios da liderança onde o "Erro bom" cometido tentando acertar e com honestidade de propósitos pode, eventualmente, ser elogiado por permitir revisão e melhorias em sistemas, processos e paradigmas.
Durante uma palestra sobre vendas dias atrás um espectador fez a seguinte
pergunta ao palestrante: "Quantas vezes pode se errar? Quantas vezes o erro
é tolerável? "
Bem, parece ser uma pergunta difícil e, até, delicada. Diria eu: "Quantas
vezes for necessário! "
Uma resposta paradoxal. Como errar pode ser necessário? Sim, é e deve ser
necessário. Contudo esse erro necessário dependerá de muitos fatores, de
quem lidera e de quem está errando.
Bem, falando de minha experiência como gestor e líder, após muitos anos e
mais de 400 colaboradores diretos sob minha égide, sempre estimulei o erro
honesto, o erro bom.
Durante reuniões e em brifings antes de voos, atividades de manutenção
de aeronaves (aviões e helicópteros) ou mesmo em atividades operacionais
conjuntas (outros órgãos -civis ou militares- envolvidos) eu alertava para
a necessidade de não esconder os erros, por menores que fossem. O principal
motivo: Investigar a causa, o fator deflagrador do erro.
Como uma organização militar tem os mesmos graus de complexidade de uma
grande empresa privada (a principal diferença é a constante vigilância
do Tribunal de Contas da União e Ministério Público não corriqueiras na
gestão de empresas privadas) as atividades e processos sistêmicos carecem
de constante acompanhamento.
Salientava naquelas ocasiões que qualquer, absolutamente qualquer ação,
positiva ou negativa, em um determinado setor tinha impactos de graus
diferenciados nos demais setores. Assim, um atraso, um procedimento incompleto
ou feito de forma parcial oriundo no setor de manutenção tinha impactos
nos setores de RH, Financeiro, Logístico, T.I, Relações Institucionais
(Marketing), etc. A rigor, o mesmo ocorre nas empresas privadas.
Em aulas friso aos alunos para fugirem da "síndrome do Pequeno Príncipe" cuja
melhor representatividade é ele sentado em um trono, admirando uma flor tendo
ao lado uma raposa, só que em um planeta desabitado. Usava essa metáfora
também nas atividades de liderança para ressaltar a importância do zelo nas
atividades pois poderia prejudicar as metas de outros setores.
O erro honesto
Sempre, como líder, considerei as origens dos erros da seguinte forma
(desconsidero o erro intencional):
- O funcionário não estava preparado para a atividade: Se fosse comum,
a origem também envolvia os critérios de recrutamento e de seleção não
adequados o que demandaria tempo e recursos para capacitação do colaborador;
- O erro aparecia de forma eventual: Meu foco ficava adstrito à problemas
de ambiência, ergonômicos (uniforme, EPI, equipamentos, software, etc),
problemas de instruções escritas ou faladas);
- O erro ocorria em função da atividade realizada não estar conforme com as
normas e instruções escritas: Tal erro não era frequente e era "cometido"
até por profissionais experientes e cuidadosos. Nesse particular era
importante acompanhar o processo de atualização de diretrizes, normas,
regulamentos e avisos, tanto oriundo de órgãos públicos como entidades
privadas (empresas de auditoria privada, de certificações, especificações de
clientes não observadas, etc). Procurava manter o foco nessas três formas
de manifestação do erro. O importante é que ele precisava ser investigado,
corrigido e sua incidência coibida de ser repetida.
O erro "não-bom"
Por cerca de dezesseis anos trabalhei no Sistema de Investigação e de Prevenção
de Acidentes Aeronáuticos como Oficial de Segurança de Voo ou em outras
atividades que alimentavam, diretamente, o sistema. Naquela ocasião aprendi
que cerca de 90% dos acidentes e dos incidentes aeronáuticos são causados
por "Erro Humano". Por decorrência também fazia prevenção de acidentes de
trabalho e o fator motivacional era o mesmo. Do que aprendi e retive como
ensinamentos foram as seguintes causas de erros humanos:
- Imperícia;
- Imprudência;
- Não seguir "checklists", normas orientadoras e diretrizes;
- Falta de preparo para identificar o erro;
- Identificar erros e condescender com eles (contornar situações de erro
para não se ferir susceptibilidades). Os erros oriundos dessas práticas via
de regra conduziam a um acidente ou incidente, tanto aéreo como de trabalho.
De PDCA para SDCA
Portanto, salientava nos brifings e gerenciamento de atividades operacionais
que em todos os processos e sistemas a ocorrência do erro é comum pois
estes precisam, constantemente, ser acompanhados, avaliados, corrigidos e
atualizados. Usava para esse fim, na mais singela concepção do estatístico
Deming o exemplo do ciclo PDCA (Planejar, Fazer, Verificar e Corrigir)
tinha sua concepção na verificação constante sobre erros que ocorriam após
todo o ciclo de planejamento ser cumprido. Se o erro tivesse frequência que
comprometesse a qualidade ou a produtividade, o ciclo era refeito, percorrido
quantas vezes se fizesse necessário até atingir um nível de excelência ou de
ocorrência de erros tolerável, quando então o processo evoluía para um SDCA,
sendo o "S" de "standard" ou "padronização".
A realidade brasileira
Como toda atividade de liderança também é uma atividade de formação, orientava
os líderes setoriais sob minha égide a considerarem a incidência dos fatores
do macroambiente que contribuíam, sobremaneira, para existência de erros de
toda sorte.
Os serviços públicos nacionais não são regulares e de qualidade questionável,
tais como fornecimento de energia elétrica, transportes, telecomunicações,
saneamento básico, mobilidade urbana, etc. Sobre esses serviços clientes,
fornecedores e demais setores da mesma organização tem expectativas de
desempenho de um determinado setor que pode ser comprometido. Os setores
dependentes deveriam se preocupar em entender a possibilidade do "erro" na
promoção do produto ou do serviço antes de lançar uma crítica feroz ao
setor responsável.
Da mesma forma, vivemos sob a égide de um Estado "cartorialista" profuso em
leis, diretrizes, normas, avisos etc por vezes regulando uma mesma atividade
em estados diferentes da federação (ex: fiscalização, tributos, etc) o que
também contribui para a "existência de um erro" da empresa, sob o ponto de
vista do cliente, quando um atraso ou mudança de critérios do uso do produto
ou serviço ocorre.
Por fim, reconheço que em ambiente de alta competitividade, sobretudo no
atual cenário de severas restrições econômicas, a tolerância para o erro
reduz-se substancialmente.
Insisto, entretanto, que o erro "visível" ou declarado é uma excelente
oportunidade de aperfeiçoamento de atividades, rotinas, processos e sistemas
sobretudo se na organização houver o saudável hábito do "feedback" com
registro e disseminação, ao longo de toda empresa, das "lições aprendidas".
Sob essa perspectiva encareço o encorajamento de seus colaboradores e não
vir a perder uma "mão de obra" não só cara, mas, também, de difícil e onerosa
preparação em busca da excelência.
Pense nisso e sucesso.