Sobre garfos, facões e "pratas da casa".
Por Jefferson Wanderley dos Santos
Data de Publicação: 18 de Agosto de 2016
Uma singela homenagem a um grande funcionário que tive a honra de liderar em breves considerações sobre o valor das opiniões dos "mão na massa".
Uma das mais gratas experiências organizacionais que tive foi perceber o
prazer, o júbilo e o regozijo nos olhos de um colaborador ao constatar que foi
um fator essencial para se dirimir um grave problema, reincidente por vezes,
em uma organização, eliminando, desta forma, um risco de graves consequências.
Todavia esse "prêmio", esse momento de prazer só é permitido a quem tem
humildade de se reconhecer incapaz de sozinho resolver um problema, como
também de ter a coragem de deixar um colaborador de nível organizacional
básico opinar em uma reunião ou demonstrar seus conhecimentos para gestores
de nível mais alto que o seu.
Essas e outras experiências tive diversas vezes por entender, e assumir, que
quem "entende do riscado", quem "está com a mão na massa" tem informações
e opiniões muito valiosas, resguardadas por vezes sua dificuldade de se
expressar, para não serem ouvidas ou consideradas.
Aprendi essa metodologia ainda novo, ao realizar um curso de investigação em
acidentes aeronáuticos no Centro de Investigações de Acidentes do Exército
Americano em Fort Rucker, no Alabama USA. Naquela ocasião todo e qualquer
acidente ou incidente aeronáutico incitava a reunião de um grupo de trabalho
com especialistas em cada área da organização e, também, especialistas em
sistemas das aeronaves acidentadas.
O nome da metodologia aprendida nos idos de 1985 chama-se "Action
Learning". Ela foi criada e desenvolvida por um astrofísico britânico,
Reg Revans, por ocasião de se resolver problemas operacionais nas minas de
carvão da Inglaterra. Mais adiante tal metodologia auxiliou, sobremaneira,
prefeitos e gestores municipais a orientarem projetos de recuperação daqueles
centros habitacionais ingleses destruídos por bombas nazistas.
O aprendizado resultante desses trabalhos é inegável e todos crescem ao
conhecer vicissitudes e peculiaridades dos funcionários que lidam com
rotinas, sistemas ou programas informacionais, via de regra adotados pelo
T.I da empresa sem, contudo, verificação completa da adequabilidade para o
negócio ou dinâmicas operacionais e administrativas da empresa.
Ilustrarei, a seguir, essas conclusões contando apenas um significativo
exemplo.
Quando liderei uma plêiade de valorosos profissionais em um esquadrão de
emprego operacional de helicópteros armados, o 2º/8º Grupo de Aviação,
em Recife (hoje sediado em Porto Velho - RR), tivemos a visita de inspeção
de um oficial general diretor do nosso Parque central (oficina geral) de
grandes manutenções e reparos, tanto para os helicópteros (HB 350). Sendo uma
oportunidade inusitada, solicitei àquela autoridade militar que visitasse
e ouvisse o "brifing" de todos os especialistas (oficiais e sargentos)
em todos os setores de manutenção no hangar principal de manutenção.
Todos, em comitiva, seguimos a autoridade que, intempestivamente, escolheu
o setor de "apoio de solo", nome dado ao setor encarregado de manutenção e
operação de garfos, pinos e tratores para reboques de helicópteros. Sendo um
modelo brasileiro, o HB 350 (Helibrás, em Itajubá MG) requeria um conjunto
de garfo e de pinos específico que vinha apresentando danos estruturais
seguidos. Todos fizemos uma meia-lua em volta de um helicóptero onde o garfo
de reboque foi adaptado aos esquis de pouso dos helicópteros, encimados por
dois pequenos pneus, pouco menores que os de lambretas.
Para tal setor eu havia designado um Cabo para chefiar, sendo que "no papel"
(documento regimental oficial) só poderia ser sargento, via de regra o mais
novo da organização. Contudo, devido à experiência e elevada competência do
Cabo Lins, eu havia pedido ao capitão chefe do setor de Manutenção (eu era
o Comandante, como tenente-coronel, mas todas decisões eu as tomava após
ouvir o grupo e pedir, literalmente pedir e não impor, ao chefe do setor
específico) que o mantivesse à frente de todos os projetos operacionais
envolvendo equipamentos de apoio de solo.
Houve um "eterno" breve silêncio enquanto todos da comitiva esperávamos o
chefe de Manutenção iniciar suas explanações quando, pelo contrário, chamei
o Cabo Lins para falar dos problemas que ele já havia me alertado.
A surpresa e perplexidade arrebatou os presentes e eu insisti: "Prossiga com
seu "brifing" Cabo Lins, o Brigadeiro é um homem de tropa, e gosta de ouvir
os especialistas." (Isso, claro, sem perguntar àquela autoridade, afinal,
líderes também assumem riscos.)
Os minutos que se seguiram foram repletos de informações com detalhes
que até nós, pilotos, desconhecíamos, pois só seguíamos para o voo com o
helicóptero abastecido e pronto para a partida dos motores no seu "spot"
no pátio de operações. Todos os detalhes preparativos ficavam por conta
do Cabo Lins e sua equipe (todos eficientes soldados). Havia, inclusive,
um perigoso detalhe da junção do garfo de reboque na sua parte posterior,
onde o "facão" descia e conectava (ladeados pelos pneus) dois suportes
nos esquis de pouso. Algo que todos da equipe desconhecíamos era o rápido
desgaste da peça quando não era preparada, com solução anti-corrosão, para
operar em região com muita umidade e maresia. Somente o Cabo Lins, com sua
experiência e "olhos de águia" conseguia enxergar pequenos e sutis pontos
de início de ferrugem e dirimir, em tempo oportuno, o avanço da corrosão.
Enfim, o "brifing" do Cabo Lins nos brindou de importantíssimos detalhes e
de ensinamentos.
Lições aprendidas e as mantive ao longo da carreira: As opiniões e avaliações
de quem lida diretamente com a complexidade tem um valor incomensurável.
Valho-me deste singelo exemplo para lhe sugerir que se sua empresa tem um
problema ou se você precisa de um franco assessoramento para adquirir um
produto ou um equipamento, ou mesmo adotar uma nova tecnologia ou rotina
operacional é imprescindível ouvir e deixar os especialistas (os "mão na
massa") opinarem.
Resultados notáveis de funcionários, antes desestimulados, são conseguidos a
partir do momento que os membros da organização percebem que suas contribuições
são demandadas, consideradas e aplicadas. Eles percebem sua importância no
contexto geral da missão da organização e passam a ter a certeza de que não
são invisíveis "tocadores de rotina".
Por oportuno, ainda, tal experiência me comprovou ser uma excelente opção
para se estimular, dentre o público interno, o desenvolvimento e ampliação
do conhecimento do negócio, do mercado e, sobretudo, do macroambiente
além de auxiliar, sobremaneira, o desenvolvimento de visões periféricas e
contextuais. O que se ganha com isso são funcionários engajados, participativos
e isto, por sua vez, fomenta uma sólida base para desenvolvimento de novas
lideranças nas organizações.
Vale a pena tentar, eu lhe asseguro.