Qual é sua assinatura?
Por Jefferson Santos
Data de Publicação: 20 de Janeiro de 2021
Quando era tenente aviador, no início da carreira operacional, fui designado
para voar o helicóptero UH-1H (Bell versão militar - aqueles mesmos voados
na guerra do Vietnã.)
Toda aeronave tem assinaturas: visual, térmica e acústica. A do UH-1H, o
HUEY, tinha um peculiar "batido de pá" no ar. Essa era a sua inconfundível
assinatura acústica.
Quando fiz um curso de segurança de vôo e investigação de acidentes
aeronáuticos no Fort Rucker, no estado do Alabama, USA, em 1983, a maioria de
meus instrutores era composta de pilotos veteranos da guerra do Vietnã. Lembro
que o mais velho dentre eles me alertava: "Aprenda a ouvir o HUEY!"
Todos, sem exceção, tínhamos muita confiança no HUEY por ser de fácil
manutenção, previsível e muito resistente. Operávamos com ele, no calor da
mais de 50 graus na selva amazônica ou a baixas temperaturas no Morro da
Igreja (RJ) e ele nunca falhou.
Quando treinávamos em operações militares junto à tropa terrestre esperávamos
o resgate noturno e, via de regra, algum dos helicópteros falhavam, o que
não era incomum. Por causa disso, pernoitávamos no meio do mato. Muito pelo
contrário, quando o HUEY estava em operação ele "virava 24 horas sem bater
o pino". Era a nossa expressão para homenagear aquela singela, mas grande
máquina. Sempre tínhamos a certeza do resgate e um sono na sede.
Uma outra e diferente forma da assinar e que muito me marcou no início
da carreira foi a de um militar graduado, o Suboficial Meta, líder dos
supervisores de manutenção. Austero, circunspecto, metódico e muito resiliente
frente aos mais diversos óbices. Ainda assim, as restrições de recursos
não o impediam de entregar seu "produto" com altíssimo grau de eficiência
e de produtividade.
Ele progrediu na carreira e angariou admiração, respeito e reconhecimento em
função de sua aplicação e seriedade na execução de qualquer atividade que lhe
fosse confiada. Com tenacidade e resiliência frente aos mais diversos tipos
de adversidades, ele sempre concluía suas atividades com elevados índices de
produtividade e de eficiência.
Seu local de trabalho sempre estava organizado. Catalogava e registrava com
rigor e riqueza de detalhes todas as inspeções nos três tipos de aeronaves
que operávamos: os quatro helicópteros HUEY, dois aviões de asa baixa,
o Sêneca e quatro de asas altas, o Regente.
Sempre disponível para ensinar e orientar, fazia questão de servir os demais,
sobretudo os mais novos, com seus profundos conhecimentos.
Quando sabíamos de sua presença nas operações militares fora de sede, via de
regra em ambientes inóspitos, com severas adversidades no terreno e no clima,
via de regra muito úmido quando não chuvoso, tínhamos duas certezas: a primeira
era a do risco que estaria nos rondando ao longo de toda a operação militar,
prejudicando os trabalhos de manutenção daquelas aeronaves. A segunda certeza
advinha da tranquilidade e da segurança que sentíamos quando víamos a rubrica,
a assinatura abreviada, do Suboficial Meta ao fim dos relatórios. Essa
segurança era fruto de sua liderança, influência, resiliência e qualidade
de seu trabalho frente às equipes de manutenção daqueles tipos de aeronaves.
Por fim, outro tipo de assinatura era a vocal. Dessa vez refiro-me ao
Suboficial Solon que era supervisor dos jovens controladores de tráfego
aéreo no Controle de Aproximação da Área Terminal de São Paulo, que abrangia
quatro principais aeroportos, dois internacionais, o da cidade de Campinas
e o Internacional de Guarulhos. Por outro lado, o discreto aeroporto de São
José dos Campos e o sempre tumultuado aeroporto doméstico de Congonhas.
Lembro que em dias de chuva intensa na capital paulista, havia uma longa
sequência de aeronaves para pouso advindas de Brasília, do Rio de Janeiro
e de Curitiba, todas aguardando serem vetoradas para pouso sob severas
restrições de visibilidade, sobretudo em período noturno. Também havia uma
longa fila de aeronaves para decolagens nos dois aeroportos da capital,
o internacional e o doméstico.
Era comum, e natural devido às circunstâncias, que os controladores falassem
rápido, em tom de voz alto demonstrando, por vezes, o estresse que aquela
ambiência impunha a todos. A responsabilidade da manutenção da segurança dos
voos em meio aquela diversidade de aeronaves, tipos e velocidades distintos
também recaía sobre eles, além dos pilotos e tripulantes.
Quando trocávamos a frequência de comunicações ao entrar na "terminal" de
São Paulo, aguardávamos até identificar a maior quantidade de aeronaves no
ar naquele momento. Era para se ter uma ideia do tumulto e do estresse que
logo logo passaríamos.
O alívio e a segurança que sentíamos advinha da voz bonita, grave, pausada
e segura do Suboficial Solón. Sempre nos saudando com um "Boa noite Força
Aérea", "Boa noite Marília" (aeronaves da TAM), "Boa noite Brasil" (aeronaves
da Transbrasil, hoje extinta), etc.
Sua calma, serenidade e segurança eram sua assinatura que nos orientava, de
forma segura, na vetoração radar até avistarmos a bela e colorida cabeceira
do aeroporto de Congonhas quando, então, completava: "Força Aérea 2128,
troque agora para a frequência 118.1 da Torre Congonhas. Bom pouso, boa noite!"
Esses breves exemplos tive muita sorte de vivenciar ao longo da carreira. Eles
muito agregaram valor ao meu modo de ser como pessoa, piloto e profissional.
As assinaturas do ruído acústico do HUEY, a postura profissional do Sub Meta
e o tom do voz do Sub Solón eram suas marcas registradas, seus DNA que nos
imprimia e passava confiabilidade, circunspecção, seriedade, resiliência
e competência.
Confesso que, por mais de trinta anos de carreira, esforcei-me diariamente
para tentar chegar perto do exemplo que eles me brindaram.
E quanto a você que me lê agora?
Qual é sua assinatura?
Prof Jefferson W. Santos MSc
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