você está aqui: Home → Colunistas → Usabilidade
Por André Martins
Data de Publicação: 12 de Abril de 2011
O cérebro humano é, deveras, uma coisa bastante engraçada. Definitivamente nós não podemos viver sem ele (muito embora existam relatos de pessoas que tentaram duramente realizar essa façanha).
Figura 1 - O cérebro humano! |
É ele que nos fez sobreviver quando decidimos descer de árvores e ir pras savanas e que nos deu uma boa vantagem competitiva durante a última era do gelo.
E mesmo assim, tendo nos ajudado a inventar tudo que é indispensável para a nossa sobrevivência (como a pizza, a TV a cabo e carros conversíveis), nosso cérebro vive nos enganando. Primeiro foi a pareidolia. Agora é esse tal de amor.
Sim, sinto informar, caro leitor, mas o amor é uma fraude, tão fraudulenta que todos nós acabamos acreditando (e gostando ainda por cima). Na verdade, seu cérebro prega tantas peças em você quando está apaixonado que é até difícil escolher por onde começar a explicar. Tudo em nome da sobrevivência e propagação da espécie.
De todas as peças pregadas durante o amor, porém, a mais famosa talvez seja a cegueira. Sim, todos dizem que o amor é cego. Mas a verdade seja dita: o amor não é cego. Ele nos cega.
Parece confuso? Calma, calma. Eu explico: nós, como indivíduos, possuímos desejos e necessidades bem específicas. Coisas como fome, frio, necessidade de atenção e realização pessoal (alguém ai identificou a Pirâmide de necessidades de Maslow?) são comuns a todos os seres humanos. A forma de satisfazer essas necessidades, porém, não são.
Talvez você não possa comer carne por uma predisposição genética. Talvez você tenha sido forçado a comer muitas cebolas em conserva por sua avó polonesa. Não importa: ao atingir a idade adulta temos uma série de preferências, aversões e necessidades que nos tornam únicos (e muita vezes chatos ou paranóicos, dependendo do caso).
Esta lista é, como pudemos observar, dificilmente racional. Afinal, como justificar racionalmente sua necessidade de alcaçuzes pretos aos domingos pela manhã?
Simplesmente não dá. E é neste ponto que seu cérebro começa a te enganar: primeiro ele intensifica todos os atributos negativos do objeto que não atende sua necessidade irracional. Depois ele te cega para os defeitos do objeto que atende sua necessidade irracional. Sim, funciona tanto com pessoas quanto com sistemas ou sorvetes, pois somos seres em busca de amor e compreensão. Não conseguimos ser racionais o tempo todo.
Suponha que você queira comprar um carro e que, para você, a característica mais importante seja um motor silencioso. Podem até te oferecer um carro que faz 20km/Litro de álcool, com todos os acessórios de fábrica, 30% de desconto e pagamento em 20 vezes sem juros. Você vai começar a achar defeitos no estofamento, no tamanho, na cor (qualquer uma) e por ai vai. E não vai comprar um carro que não seja silencioso.
Por outro lado, imagine que lhe ofereçam um carro silencioso laranja fosforescente. Você aceita na hora. Pode ter certeza: seu lado racional está berrando, tentando te avisar que essa é uma cor bizarra. Não vai adiantar. Você está cego (e aparentemente surdo também).
E até quando essa relação de amor irá durar? Bom, até que:
a) Seu carro deixar de ser silencioso ou,
b) Suas necessidades mudem.
Talvez você tenha virado pai e comprado um são Bernardo: ai você deixa de valorizar o silencio do motor e começa a valorizar o espaço interno do carro. Ou então talvez você esteja encalhado: ai você começa a valorizar a aparência e compreende que, definitivamente, não vai impressionar nenhuma garota com um carro dessa cor...
E o que fazer para aproveitar este conhecimento no desenvolvimento de sistemas (ou para conseguir uma namorada)? Bom, usuários (assim como as mulheres), adoram falar. O problema é que muitas vezes o lado racional fala mais alto durante a conversa e você acaba por não descobrir o que realmente as pessoas querem.
Por exemplo: um usuário pode jurar, de pés juntos, que o que ele mais precisa, na verdade, é de um gerador de relatórios automatizado. Claro, esse é o lado racional dele.
Mas o que ele quer DE VERDADE, é que os gráficos que o sistema já gera sejam mais coloridos e 3D.
E se você não fizer os gráficos mais coloridos e em 3D, sabe o que vai acontecer? O usuário vai odiar seu sistema. Mesmo que seu gerador de relatórios automatizado seja perfeito. Sim, eu sei que seus usuários reclamam do novo sistema, mesmo quando todos os requisitos são atendidos maestralmente. A culpa é sua por não ter feito seus usuários se apaixonarem pelo seu sistema.
A mesma coisa com sua namorada/esposa: ela pode jurar de pés juntos que quer ganhar roupas de presente. Mas se você não der aquele jantar caro e um anel de diamantes, meu amigo, você está encrencado.
Então, sim, saber ouvir não é mais suficiente. O que fazer então? Observe seu usuário utilizando o sistema atual e planeje testes parciais das funcionalidades desenvolvidas. Você verá as dificuldades e necessidades dos usuários antes mesmo que eles possam falar alguma coisa.
E ai sim eles vão se apaixonar por seus sistemas.
André Luís Martins Gomes é Mestrando em Computação pelos Institutos de Matemática e Estatística & de Pesquisa Tecnológica da Universidade de São Paulo. Especialista em usabilidade, trabalha há 6 anos desenvolvendo padrões corporativos de usabilidade e integração humano computador.
Atualmente trabalha como analista de sistemas no Banco Bradesco e gostaria de poder encerrar o texto com "e nas horas vagas...". Pena que hoje em dia já não se fazem mais horas vagas como antigamente.
Para se manter atualizado sobre as novidades desta coluna, consulte sempre o newsfeed RSS
Para saber mais sobre RSS, leia o artigo O Padrão RSS - A luz no fim do túnel.