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O prazer de compartilhar

Colaboração: Rafael Evangelista <rae@unicamp.br>

Data de Publicação: 20 de Novembro de 2004

Estudo mostra que aqueles que baixam filmes e músicas na internet querem mais do que obter acesso gratuito à cultura, querem oferecer e colaborar

Eles não têm olho de vidro, perna-de-pau e nem andam com um papagaio no ombro. Mesmo assim a indústria da música e do cinema insiste em chamá-los de piratas e em afirmar que são os grandes vilões da internet. Mas um estudo publicado neste mês pela revista eletrônica /First Monday/ mostra justamente o contrário. A motivação dos usuários de programas de compartilhamento de arquivos como o Kazaa e o SoulSeek - que permitem que você baixe os arquivos de música e vídeo de outros e ofereça os seus - não estaria só em pegar arquivos de graça mas também em "presentear", em compartilhar seu acervo com outras pessoas. Por isso, não basta que a indústria crie mecanismos tecnológicos para que as pessoas usufruam legalmente de bens culturais na Internet; será preciso também levar em conta o desejo que elas têm de ajudar e oferecer arquivos a outros.

A conclusão é de Kevin McGee e de Jorgen Skageby, pesquisadores da Universidade de Linkoping, na Suécia, e autores do artigo "Gifting Technologies". Por seis meses, ambos frequentaram e analisaram listas de discussão de usuários dos sistemas P2P - sigla para ponto-a-ponto, a tecnologia que permite a troca direta de arquivos na internet - e entrevistaram mais de 100 desses usuários. O objetivo era buscar entender o fenômeno da troca de arquivos na rede a partir da perspectiva da dádiva, ou seja, de trabalhos anteriores que falam da troca ou do ato de dar presentes como um fenômeno social. O que os autores descobriram é que não é possível reduzir a ocorrência da dádiva na internet - que acontece nos programas de P2P - nem a um "roubo", em que as vítimas são os detentores dos direitos autorais, nem meramente a uma troca interessada, em que os sujeitos só compartilham porque estão interessados também em baixar arquivos.

Indústria age com truculência

Nos últimos dois anos, a indústria do entretenimento tem promovido uma verdadeira cruzada contra os usuários dos programas de P2P. As ações vão desde multas até a prisão e os métodos incluem a espionagem eletrônica de usuários. A onda de processos movida pela indústria da música começou em setembro de 2003 e, até agora, pelos cálculos da EFF (Fundação da Fronteira Eletrônica, entidade que luta pela legalização do compartilhamento de arquivos) já são mais de 6 mil ações legais. No início deste mês, a indústria do cinema anunciou que deverá seguir os passos das gravadoras e também iniciará uma onda de processos. "Ações contra os usuários não significam o pagamento de direitos aos artistas. Nós precisamos de uma solução construtiva. Os compartilhadores são mais de 60 milhões, só nos EUA, um número maior de pessoas do que o que elegeu o atual presidente", diz a EFF.

Os efeitos dos processos movidos pela indústria puderam ser sentidos pelos pesquisadores suecos. Ao tipificar os diversos grupos de compartilhadores ele encontraram a figura do que chamaram de "presenteadores amedrontados". Esse grupo ofereceria seus arquivos de uma forma mais selecionada, escolhendo aqueles que podem receber ou quais arquivos serão compartilhados. "O mais surpreendente é que esse tipo de ação não seria motivado pelo medo de serem pessoalmente alvo de processo mas pelo medo de que os mecanismos de compartilhamento sejam ameaçados", dizem os pesquisadores. Eles encontraram casos de pessoas que deixaram de compartilhar arquivos sujeitos aos direitos autorais da indústria.

Muito mais do que uma troca interessada

As características dos diversos grupos de compartilhadores permitem dizer que a atividade vai muito além do "é dando que se recebe". Vários teriam motivações ideológicas, acreditando não só que a "informação tem que ser livre", mas em um certo "espírito do compartilhamento". Os pesquisadores afirmam também que muitos dos que aparentemente oferecem seus arquivos apenas para poderem conseguir músicas ou filmes de outros (a chamada pseudo-dádiva), na verdade são bastante benevolentes com aqueles que não compartilham nada. Ou seja, depois de bloquearem aqueles usuários que claramente não oferecem nada em troca - os chamados de sangue-sugas - os compartilhadores voltam a oferecer seus arquivos para a comunidade.

Foram encontrados, inclusive, alguns usuários que ajudam outros que tenham um gosto parecido com o do compartilhador ou que estão em dificuldades. Quando encontram alguém que tem uma conexão muito lenta e que vai levar muito tempo para conseguir um arquivo, eles deixam seus computadores ligados por horas, só para que a conexão do receptor não seja cortada. Ou ainda oferecem a quem está baixando uma música, por exemplo, outros arquivos de estilo semelhante ao que está sendo enviado.

"Quando você compartilha algo com alguém você o faz não porque espera algo em de volta... Quando você quer algo do outro isso é uma troca", declarou um dos entrevistados. Para os pesquisadores, há nos mecanismos de oferecimento de arquivos algo que vai além do que tem sido notado até hoje e que mistura altruísmo e ideologia. Mesmo que a indústria crie mecanismos poderosos e acessíveis para que bens digitais sejam adquiridos, essas iniciativas falharão se o espírito do compartilhamento não for levado em conta.

Leia (em ingês): First Monday - Gifting technologies


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O Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp está oferecendo uma vaga de estágio destinada a aluno de qualquer curso de graduação para: montagem de páginas HTML, administração de rede e manutenção em máquinas Windows e Linux.

É interessante que o candidato tenha, preferencialmente, conhecimento sobre as distribuições GNU/Linux REd Hat e Debian e noções de programação em PHP. A bolsa é de, aproximadamente, R$ 900,00.

Os currículos devem ser enviados para mmoraes@unicamp.br até 25 de novembro.

Sobre o autor

Rafael Evangelista é cientista social e linguista. Sua dissertação de mestrado tem o título Política e linguagem nos debates sobre o software livre. É editor-chefe da revista ComCiência e faz parte de algumas iniciativas em defesa do software livre como Rede Livre, Hipatia e CoberturaWiki.


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