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Por Rafael Evangelista
Data de Publicação: 22 de Setembro de 2006
O trocadilho, infelizmente, só faz sentido em inglês, mas o efeito produzido pelo conceito que a palavra expressa talvez seja um dos grandes responsáveis pela expansão do modelo livre.
Nenhuma palavra em português que consegue fazer a correta alusão a todos os sentidos contidos no termo copyleft. Copy é copiar e left pode ser deixar ou esquerda. O inverso de copyleft é copyright, onde copy continua sendo copiar e right é direito (garantia legal). A criação da palavra copyleft levou muita gente a "redescobrir" o sentido de copyright. Criada a oposição, o right de copyright virou também direita, ou seja, aquele campo ideológico que se opõe à esquerda.
E foi pela característica contestatória, pela simpatia ideológica (embora nem só por ela) que a palavra começou a ser usada, ganhando a simpatia de movimentos sociais, partidos e de todos aqueles que sentem um frio na espinha toda vez que ouvem que a direita ganha espaço em qualquer lugar. Logo virou um grande C ao contrário e foi parar no canto esquero superior de bandeiras vermelhas, lembrando as bandeiras da China e da antiga União Soviética, entre outros países socialistas e comunistas
Talvez a ênfase desses ícones seja um pouco exagerada - até porque tem muito de gozação - mas não é errado afirmar que é o princípio do copyleft que cria um efeito de socialização dos códigos livres. As licenças copyleft são aquelas que obrigam o licenciado a utilizar a mesma licença livre se produzir uma obra derivada. A GNU GPL (Licença Pública Geral GNU) foi a primeira licença de software copyleft e surgiu pela indignação de Richard Stallman com a falta de reciprocidade de uma empresa que usou seu trabalho. Em 1984, Stallman concordou em produzir um software, licenciado em domínio público, para a empresa Symbolics. A empresa adicionou novos melhoramentos ao software, porém , recusou-se a oferecê-los a Stallman, tornando a nova versão - derivada de código livre - um software proprietário. Foi para combater esse tipo de atitude que surgiu a GNU GPL, classificada pelo próprio Stallman como pilar de defesa da liberdade do software.
Essa "defesa da liberdade" já fez com que o copyleft fosse chamado das piores coisas pelos executivos do software proprietário. Com a agressividade verbal típica dos executivos da Microsoft, Steve Ballmer já usou a palavra câncer. Craig Mundie, da mesma companhia, apontou o efeito "viral" da GNU GPL, referindo-se ao fato de que uma licença "contagia" o trabalho derivado. De fato, esse efeito é algo que deve tirar o sono dos funcionários das corporações. Código em copyleft gera mais código em copyleft e a base de conhecimento livre tende sempre a crescer . e o monopólio se enfraquece.
Curiosamente, copyleft não é pré-requisito para que um código seja livre. Licenças livres como a BSD se enquadram nas quatro liberdades básicas da Free Software Foundation mas não são copyleft. Foi por isso que a Apple conseguiu usar o FreeBSD, o NetBSD e outros softwares e integrá-los no Mac OS X, o sistema operacional atualmente usado nos Macintosh. Usou e não devolveu nada em troca.
Em geral, as corporações preferem usar códigos protegidos (ou desprotegidos) por licenças que não contêm cláusulas copyleft, assim podem usar o conhecimento que já se tornou bem coletivo e a ele adicionar código proprietário. Mantém secreto e cobram pelo que desenvolvem e não retribuem o que obtiveram livremente. Quebrar a corrente de solidariedade e cooperação parece fazer bem aos negócios...
Vale ficarmos atentos com os novos .amigos da onça. que o movimento software livre (ou open source/código aberto, como eles preferem dizer) tem ganhado. Se pedirem para abandonarmos o copyleft tudo leva a crer que é uma bela armadilha.
Rafael Evangelista é cientista social e linguista. Sua dissertação de mestrado tem o título Política e linguagem nos debates sobre o software livre. É editor-chefe da revista ComCiência e faz parte de algumas iniciativas em defesa do software livre como Rede Livre, Hipatia e CoberturaWiki.
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