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Por Rafael Evangelista
Data de Publicação: 10 de Outubro de 2006
Elas prometem maravilhas: fibras óticas capazes de transmitir a, no mínimo, 25 Mbps (uma conexão residencial muito boa chega, hoje, a 4 Mbps); banda larga disponível no país todo; vídeo, áudio, tudo em alta velocidade. Para oferecer tudo isso pedem, aparentemente, muito pouco: querem apenas ter o direito de cobrar a mais daqueles que quiserem oferecer conteúdos em alta velocidade. Até parece algo justo. Afinal, quem quiser oferecer serviços nessa "pista rápida" da Internet vai certamente lucrar com isso. O problema é que o fim da chamada "neutralidade da rede" vai consolidar como grandes da Internet esses que já estão aí: Google, Microsoft, Yahoo; -- isso se eles pararem de brigar e decidirem aceitar as imposições das telecom (telefônicas, provedores). Novos projetos, novas idéias, vão definitivamente ficar no passado.
Por enquanto, a disputa é acirrada e está colocando, de um lado, os provedores estadunidenses de Internet de banda larga (AT&T, Verizon, Comcast); de outro, usuários e empresas que operam na web como Google, Microsoft, eBay, Yahoo. As telecom querem ter liberdade para criar faixas com diversas velocidades: a mais lenta para os sites comuns e uma mais rápida para os prestadores "premium", aqueles que quiserem que seus dados cheguem mais rápido (e estiverem dispostos a pagar por isso). Gente do calibre de Lawrence Lessig, Tim Berners-Lee, Cory Doctorow e mais uma batelada de ONGs reunidas na iniciativa Save the Internet (www.savetheinternet.com) afirma que o fim da neutralidade na rede vai frear a inovação e concentrar poder. Quem é contra pede a existência de leis que impeçam a "discriminação" da velocidade dos dados.
Segundo a revista Salon (http://www.salon.com/tech/feature/2006/04/17/toll/index_np.html), as telecom já despejaram quase US$ 30 milhões em lobby direcionado a deputados tendo em vista evitar a regulamentação. Tudo para "convencê-los" de que as empresas que oferecem conteúdos na verdade usam de graça os "canos" das telecom e que se estas puderem cobrar a tendência é que a infra-estrutura física melhore.
Quem também está de olho nisso é a Cisco, empresa que fabrica boa parte dos equipamentos que gerenciam a Internet. Ela tem anunciado que criou equipamentos capazes de "identificar, monitorar, classificar e controlar o tráfego na rede". Originalmente, a Internet sempre foi burra, ou seja, não importa que dados você esteja baixando (e-mail, músicas, vídeos, textos) tudo vem (e vai) na mesma velocidade. É o desenvolvimento da "inteligência" em identificar (e acelerar, frear ou bloquear) certos conteúdos que está criando a pendenga. Para vender esses novos equipamentos, a Cisco precisa fazer com que seus potenciais clientes (as telecom) possam lucrar com isso. As telecom imaginam que podem conseguir uma margem de lucro muito maior se cobrarem de quem tem feito muito dinheiro atualmente, as empresas de web.
Enquanto as empresas de web resistem, a briga legislativa para manter a rede neutra continua. O nó da questão é o fato de que, no momento que as empresas resolverem aceitar a chantagem das telecom, podemos dizer adeus à Internet como a conhecemos. Há denúncias de que as telecom já vem manipulando a rede no sentido de beneficiarem seus serviços em detrimento de outros. Elas têm sido acusadas de tornarem mais lentos certo serviços de voz sobre IP, para que só os oferecidos por elas funcionem bem.
Se nos Estados Unidos há uma briga de cachorro grande, no Brasil a tendência é que a resistência seja mínima. Isso porque enquanto lá os gigantes da web brigam com as telecom, aqui quem é responsável pela conexão também é dono dos maiores sites nacionais. A Globo.com, que oferece e-mail, vídeos e notícias, é também dona da Net, empresa de TV a cabo e provedora de acesso à Internet. O Terra, que oferece serviços semelhantes, é de propriedade da Telefônica, que vende telefones fixos e conexão rápida. O IG é de propriedade da Brasil Telecom.
Esses provedores são acusados por usuários de fazerem "traffic shaping", prática discriminatória em que programas de p2p ou aplicações de voz sobre IP têm a velocidade reduzida. A acusação é compartilhada pela Associação Brasileira dos Usuários de Acesso Rápido (www.abusar.org), cujo presidente afirma que os contratos dão poucas garantias aos usuários -- e que as empresas se aproveitam disso para se esquivar de possíveis denúncias.
As empresas negam a prática do traffic shapping, mas muitas aparecem na lista de clientes de empresas internacionais que vendem esse tipo de serviço. A Brasil Telecom, por exemplo, figura como cliente da Naurus (http://www.narus.com/customers/index.html), que vende a ela serviço de gerenciamento de voz sobre IP.
De acordo com alguns especialistas, todo esse esforço é, na verdade, mais custoso do que simplesmente aumentar a banda. Gary Bachula (http://events.internet2.edu/speakers/speakers.php?go=people&id=1), especialista da rede Internet2, afirmou em audiência ao Congresso dos Estados Unidos: "no início, nossos engenheiros acreditavam que deveríamos encontrar maneiras de priorizar certos tipos de bits, como streaming de video ou video conferência. Com o desenvolvimento, descobrimos que era mais barato simplesmente oferecer mais banda".
Certamente, com uma banda de 25 Mbps não é para faltar velocidade para ninguém. Mas uma velha regra dos negócios sempre foi "criar dificuldades para vender facilidades". Assim, é mais lucrativo às corporações manter o controle dos melhores cabos, dos fios capazes de entregar conteúdos com a maior velocidade. Deste modo, apenas o conteúdo distribuído pelas grandes empresas poderá chegar com velocidade razoável, enquanto a troca livre de conteúdos alternativos permanecerá parada em algum gargalo da rede.
Até o momento, a Internet não estabelece nenhuma grande distinção entre o pequeno e o grande distribuidor. O custo para se distribuir um arquivo (de filme, texto ou música) na mesma velocidade oferecida por qualquer grande portal é baixo e, se houver grande demanda por banda, basta fazê-lo usando bittorrent. Porém, se a neutralidade acabar, a distribuição voltará para a mão dos grandes.
Rafael Evangelista é cientista social e linguista. Sua dissertação de mestrado tem o título Política e linguagem nos debates sobre o software livre. É editor-chefe da revista ComCiência e faz parte de algumas iniciativas em defesa do software livre como Rede Livre, Hipatia e CoberturaWiki.
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